sexta-feira, 24 de julho de 2009

Uma Simples Questão de Fé

Na semana de comemoração dos 40 anos da chegada do homem à Lua (veja o excelente site comemorativo), é interessante observar as reações das pessoas. Muita gente ainda questiona a importância desse feito. Primeiramente, já é chavão o argumento de que seria muito mais útil gastar o dinheiro investido em missões espaciais no combate à fome na África. Tal justificativa, embora bem intencionada, é bastante simplista e limitada. Por exemplo: entre transferir recursos de uma missão espacial e os recursos da indústria bélica para um projeto cujo objetivo seja acabar com a fome, eu sou muito mais a favor da segunda opção. Além disso, acabar com a fome não resolve o problema das regiões castigadas pela extrema pobreza. Seria necessário ir muito mais além, fomentando a educação, controlando rigorosamente a natalidade, gerando emprego e moradia, tudo de acordo com as boas práticas de desenvolvimento sustentável. Por outro lado, a exploração científica nunca é uma iniciativa inútil e, se formos buscar as informações sobre os benefícios resultantes do avanço da tecnologia aeroespacial bem como das investigações científicas envolvidas, tanto na Terra quanto no espaço, vamos achar muitas aplicações na melhoria das condições humanas (confira alguns destes benefícios no site da Nasa). Ou seja, é preciso haver desenvolvimento tecnológico para gerar desenvolvimento econômico. E sem desenvolvimento econômico, não há como combater a fome bem como outros problemas sociais.

E sob o ponto de vista do espírito humano, nós nascemos para ser exploradores. Foi a curiosidade e o espírito da descoberta que fizeram o homem se aventurar pelos mares em busca de novos continentes. Hoje, nos encontramos na América do Sul graças ao advento das grandes explorações marítimas. Infelizmente, existe a fome física sim mas também existe a fome do espírito, da alma humana em busca de respostas e melhores condições de vida, e esta nunca poderá ser estrangulada, sob o risco de deixarmos de ser simplesmente humanos. Aos opositores de plantão, me desculpem: ciência e exploração espacial são questões fundamentais em nossa vida.

Mas apesar disso tudo, no final, parece que a chegada do homem à Lua acaba sendo reduzida à uma simples questão de fé: acreditar ou não. Em outras palavras, a chegada do homem à Lua acaba entrando para o hall dos anjos, fadas, elfos, gnomos, fantasmas, etc. E é justamente aqui que encontramos um ponto muito interessante. A falta de conhecimento faz o ser humano ter uma postura de fé frente às coisas que nunca deveriam ser encaradas desta forma. Por exemplo: ninguém sai por aí dizendo que acredita no automóvel. Sabemos que o automóvel existe, utilizamos o automóvel todos os dias, ou seja, é um engenho humano inquestionável, sobre o qual qualquer questionamento só poderia ser encarado como loucura. Agora, pegue o mesmo exemplo e tente aplicá-lo à uma tribo no meio da selva amazônica que nunca teve contato com a civilização. Tente convencer os indígenas de que existe uma máquina com 4 rodas capaz de transportar as pessoas de um lado para outro sem ter a opção de mostrar o automóvel para eles. Fácil convencer, não é?

Da mesma forma, muitas pessoas ainda se comportam como "indígenas que nunca tiveram contato com a civilização", alegando que o homem nunca poderia ter chegado à Lua por conta das mais estranhas justificativas. Coisas do tipo: "isso não está escrito na Bíblia", "o homem não pode brincar de ser Deus", "a Lua não tem porta" e por aí vai (vide a matéria "Brasileiros não acreditam, 40 anos depois, que o homem foi à Lua" do site G1). E o pior é que o ceticismo extremo não é apenas o subproduto de gente que não teve acesso à educação. Tem muita gente articulada, com pleno acesso à informação que continua a negar veementemente o grande feito (levanta-se aqui, todavia, a dúvida sobre a qualidade da educação envolvida), utilizando teorias de conspiração baseadas em alegações de que tanto as fotos como os filmes divulgados foram falsificados. Bom, não entrarei aqui no mérito da discussão sobre a autenticidade da conquista. Existe informação de sobra que comprova o incrível feito em sites de confiança na Internet e até em programas de TV a cabo como o MythBusters da Discovery Channel, dedicando um episódio inteiro à elucidação de todas essas teorias opositoras sem fundamento. Aqueles que quiserem pesquisar, divirtam-se...

Voltando ao foco do tema que eu quero desenvolver, é interessante notar que em ambos os casos (teorias simplistas ou elaboradas) a falta de conhecimento acaba gerando uma perspectiva de fé. Deveríamos encarar a chegada do homem à Lua como o exemplo do automóvel que eu citei anteriormente mas, ao contrário, achamos que o evento nunca existiu baseados simplesmente nas crenças. A crenca de que foi uma fraude, crença em teorias de conspiração, crença na Bíblia, crença na desconfiança, crença, crença e mais crença (para outros tipos de crença que também se encaixam na concepção geral deste post, sugiro a leitura dos tópicos "Atentado à Razão", "Segunda Idade das Trevas" "Fanatismo", "Liberdade!?!?!", "Evangelização" e "Deus é Gente", partes 1 e 2). O mais paradoxal é que a crença é capaz de negar até mesmo as evidências mais contundentes. Neste ponto, não interessa mais saber a verdade. A pessoa apega-se tão profundamente às suas próprias idéias que é incapaz de reconhecer que sua visão está furada, mesmo na frente da evidência mais palpável cujo significado derruba suas premissas mais arraigadas. Ela prefere se enganar ao invés de reconhecer o seu equívoco. Infelizmente, tal exemplo não se limita apenas ao caso da chegada do homem à Lua, mas expande-se também para todos os setores da nossa vida. Questões complexas como vida, morte, razão do universo, do mundo e do homem existirem, probabilidade de haver vida extraterreste, seja ela inteligente ou não, estão todas muito comprometidas pela intervenção de nossas crenças. Neste sentido, infelizmente, estamos muito longe de descobrir a verdade.

Desta maneira, vemos que o volume de crenças e supertições é inversamente proporcional à falta de conhecimento. A falta de conhecimento abre espaço para a proliferação das crenças, sejam elas religiosas, folclóricas, esotéricas, etc. Num mundo cada vez mais religioso, é fácil concluir que a educação constitui um sistema falido em nossa sociedade. Onde quer que tenha falhado a nossa educação, seja no seio familiar, nas escolas, no trabalho ou universidades, entrou a crença no lugar de uma forma muito fácil e forte para preencher a cratera da nossa abissal ignorância. E a Internet, como reflexo do mundo real, apenas replica o problema existente na forma de comunidades, grupos, movimentos, linhas de pensamento, seitas e religiões cada vez mais específicas. Perde-se assim a noção de convívio em sociedade, pluraridade e diversidade de idéias para fortalecer cada vez mais o individualismo, a especificidade e o sectarismo.

Por fim, depoimentos como o do servidor público José Ribamar Ribeiro, o qual justifica a suposta "fraude da NASA" na matéria do G1 (com a alegação: "Por que o homem nunca foi ao Sol?”) de forma tão simplória, vão continuar a acontecer por um bom tempo. Só espero que possamos ser muito mais humildes, reconhecer nossa ignorância e repudiar a imposição da crença como forma imediatista de cobrir nossos buracos interiores. Somente assim seremos realmente livres para caminhar paulatinamente em direção à verdade presente em todas as coisas.

Abs:

Marcio

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