quinta-feira, 30 de julho de 2009

Atentado à Razão (parte 2)

Qual é volume de ignorância possível em uma única frase? Se estranharam a natureza da pergunta, vou tentar de novo: Até que ponto nós somos capazes de incutir em apenas uma única frase o maior volume possível de ignorância? Ainda muito obtuso? Segue então uma frase que usaram no Windows Live Messenger no dia de hoje, a qual é uma fortíssima candidata à campeã em “volume de ignorância”:

“ONDE DEUS PÕE PONTO FINAL, NÃO TENTE COLOCAR INTERROGAÇÃO.“

As frases do Messenger são um capítulo a parte. Acho que todo mundo tem uma boa estória para contar a respeito delas, constituindo um tema relativamente "batido". Todavia, não consegui ficar quieto diante da frase acima. Na mesma linha do post “Atentado à Razão” do mês de Abril, eis uma frase que é um grande insulto a nossa capacidade de pensar. Vamos aos questionamentos:

Em primeiro lugar, precisaríamos definir o que seria Deus, como tal conceito poderia interagir conosco (se é que interage) e se existiria, sobretudo, um Deus afinal. Nem entrarei aqui no mérito desta longa discussão. Quem quiser ter apenas um humilde preâmbulo sobre uma especulação ainda muito superficial do que seria (ou do que não seria) uma concepção de Deus um pouco mais sensata pode ler os posts “Deus é Gente”, parte 1 e parte 2.

Em segundo lugar, como podemos saber o que seria um “ponto final”? Quem está dizendo que um evento, episódio, assunto ou discussão estão finalizados? Quem está dizendo que algo está definitivamente encerrado? Deus? Seria Ele mesmo? Como podemos afirmar algo assim? O que nos dá essa certeza? Quais são os elementos necessários para fornecer uma boa base para concluirmos isso? Onde estão as evidências a respeito disso? Alguém está em comunicação direta com Ele? Como podemos deixar algo que, em teoria, seria muito importante para todos nas mão de apenas alguns, os quais passam-se por “intermediários oficialmente capacitados”? Somos loucos em acreditar que existem motivos para alguém estar em mais condições do que nós para ser um intermediário entre nós e Ele (partindo-se do princípio que o “Ele” aqui relamente existe)? Bom, de louco o mundo está cada vez mais cheio...

Em terceiro lugar, porque não devemos colocar uma “interrogação”? Qual o problema de perguntar, arguir, questionar, levantar dúvidas, rever, checar as evidências? Se algo é real, concreto, palpável e muito bem fundamentado, não há pergunta, dúvida ou questionamento que sejam capazes de destruí-lo. Então, por quê o questionamento é encarado como uma ameaça? Por quê seria perigoso questionar? Porque o questionamento é a porta de entrada para o conhecimento e isso é o que Cristianismo mais teme. É isso mesmo: Pensar faz mal. Pensar gera dúvidas... Páre de pensar! Isso não é bom para você... Deixe isso para outras pessoas, as quais estão muito mais capacitadas. Você, sendo um “reles mortal”, não está em condições de perguntar ou questionar absolutamente nada... Em que pese aqui o alto teor de ironia, é bem isso o que a frase acima resume com bastante maestria.

O conhecimento é o maior inimigo do Cristianismo. Se você quiser ser feliz com Ele, é só evitar ao máximo o raciocínio, abrir mão da sua capacidade de pensar, aceitar tudo aquilo que está escrito nas sagradas escrituras, deixar que as autoridades oficialmente estabelecidas definam as coisas dentro e fora da Bíblia por você, reagir emocionalmente quando alguém revela um ponto de vista diferente do seu, evitar a todo custo qualquer tipo de contato com a História do Cristianismo e, principalmente, fazer a sua parte disseminando esse modelo de comportamento através da Internet. Seja você também um cristão feliz! A minha parte eu já estou fazendo...

Abs:

Marcio

2 comentários:

  1. Concordo com vc qdo diz que o conhecimento é o maior inimigo do cristianismo. E vou além ousando dizer que o conhecimento é o maior inimigo da fé religiosa. Esta fé que se propõe a depositar suas fichas no total desconhecido e inatingível, sempre crendo "porque sim"... "porque Deus" e nunca porque EU.
    Difícil é se colocar no lugar de sujeito operante e responsável por ações e reações, e assim... "O senhor esteja convosco, Ele está no meio de nós"!

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  2. Exatemente Lilian. O conhecimento é inimigo da fé religiosa, seja ela qual for. Em uma condição de fé religiosa, a qual não tem qualquer relação com a razão, o fiel situa-se em uma "faixa etária emocional" que poderíamos denominar de "infância expandida", na qual ele acredita que o mundo é presidido por pais poderosos, dominadores, responsáveis e bondosos. Tal crença acaba eximindo o fiel da sua verdadeira responsabilidade frente à vida, jogando para o conceito de sagrado todas as causas e efeitos que envolvem seu comportamento sobre o mundo. E em uma sociedade cada vez mais crente, não é preciso ser muito inteligente para diagnosticarmos que esse estilo de vida inconsequente vem trazendo sérios prejuízos para o nosso planeta, sendo um problema ainda maior a ser combatido em nosso futuro.

    Seja bem-vinda:
    Marcio

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