Dando sequência ao post “Em Verdade Vos Digo”, vamos especular sobre o que seria o conceito de verdade (aqueles que não leram o post anterior, eu aconselho sua leitura antes deste). Convido os leitores que tomaram a pílula vermelha à uma viagem no tempo de 13,5 bilhões de anos, em busca das origens do universo...
Imaginem o maior evento conhecido do universo, o "big-bang" que deu origem a tudo e, mais precisamente, originou nossa galáxia, o Sistema Solar e a formação do planeta Terra. Bilhões de anos se passaram, um paradoxal número de acontecimentos teve que ocorrer para gerar as condições necessárias à formação da vida e é óbvio que o ponto de vista humano a respeito de tudo isso só veio surgir muito tempo depois. O Universo, portanto, existe há bilhões de anos antes de nós e continuará a existir depois da nossa extinção, não havendo qualquer nível de perturbação na realidade pelo fato da gente existir ou deixar de existir. Desta maneira, o universo existe de uma forma independente da gente, havendo uma explicação plausível para cada evento ocorrido sem a interferência do ponto de vista humano, constituindo a única explicação possível para a realidade. E notem que pelo termo ”explicação” eu quero dizer “descrição”, “identificação” e não “sentido”. Ou seja, diante do cenário universal, é o ser humano quem deve buscar as explicações para tudo aquilo que já existia antes de nós e não forjar as explicações de acordo com suas convicções pessoais, interesses particulares ou interpretações limitadas pelo espaço, cultura ou momento histórico.
Devemos estar alertas, todavia, para a explicação ser necessariamente condizente a algo que de fato existe e não condizente com uma coisa manipulada, um cenário criado apenas em nossas mentes. Isto é, uma mentira pode ser real enquanto informação mas, definitivamente, não representa um fato. Existem explicações para as coisas que não existem, sendo plenamente discutível as razões que motivaram a criação de algo irreal. Mas se algo é irreal, isso não existe de fato, sendo contraproducente dar explicações sobre algo baseado apenas em uma superstição, crença, fé ou tradição, ainda mais se as explicações objetivam afirmar que a farsa é algo que de fato existe. Nessa mesma linha de raciocínio, não é pelo fato de uma coisa ser desconhecida que isso acaba sendo prova de que é também algo irreal. Há um incontável número de coisas que desconhecemos, levando-se em conta nossa desvantajosa posição no tempo e no espaço (para melhor entender essa desvantagem, vejam os posts "Apresentação" e "Não Sabemos Nada"). Logo, como o universo existe independentemente de nós, há um inconcebível nível de realidade para o qual nós estamos longe de ter acesso com o conhecimento atual.
Mas vamos a um exemplo mais pontual com a finalidade de esclarecer o nível de abstração no qual nós acabamos entrando:
Ninguém pode negar a existência do Sol. Ele está aí quer a gente goste ou não há bilhões de anos, promovendo as condições necessárias à nossa existência muito antes da gente botar nossos pés por aqui. Então, o Sol é uma realidade que não pode ser negada. Caso contrário, seria papo de louco, sendo o mesmo que dizer que não existe computador, energia elétrica, automóvel, etc. Pois bem, em cima dessa realidade, qual seria a verdade correspondente? Eis a explicação:
"O Sol é a estrela mais próxima de nós, sendo uma anã vermelha responsável por 99,86% da massa do Sistema Solar, possuindo uma massa 332 900 vezes maior que a da Terra e um volume 1 300 000 vezes maior que o do nosso planeta. É composto primariamente de hidrogênio (74% de sua massa, ou 92% de seu volume) e hélio (24% da massa solar, 7% do volume solar), com traços de outros elementos, incluindo ferro, níquel, oxigênio, silício, enxofre, magnésio, néon, cálcio e crômio. A estrela gera sua energia através da fusão de núcleos de hidrogênio para a formação de hélio, resultando na emanação de uma corrente de partículas carregadas que se expandem até os limites de uma bolha conhecida por heliosfera, a maior estrutura contínua do Sistema Solar.” (fonte: Wikipedia)
Muitas outras informações seriam necessárias para dar conta de uma completa descrição do Sol, tornando a explicação acima incompleta mas verdadeira, sendo contraproducente me estender muito neste exemplo. Há de se concordar, todavia, que tais descrições não poderiam ser a de um "Deus cuspindo fogo" embora povos do passado possam ter dado este tipo de explicação para o Sol, considerando as limitações da época. Desta maneira, só existe uma explicação possível para todas as coisas existentes no universo, sendo todas as outras "explicações" apenas interpretações pessoais, grupais ou até culturais, dependendo do momento histórico em que tais explicações são criadas. Tais explicações não são condizentes com a realidade, ou seja, um "Deus cuspindo fogo" pode ser uma explicação individual, grupal ou coletiva mas está longe de representar a realidade dos fatos. É possível ainda que não saibamos tudo a respeito do Sol e que novas informações venham completar o quadro descritivo do nosso "astro rei" no futuro mas, seria muito improvável que dados adicionais invalidassem as descrições oficiais de hoje. Se for esse realmente o caso, a ciência se encarregará de rever seus conceitos mais cedo ou mais tarde, conforme orientam suas características céticas e questionadoras.
A verdade, portanto, seria a única explicação válida para cada detalhe da realidade. Este seria seu conceito. Ou seja, um copo d'água tem que ser um copo d'água aqui e em qualquer outro lugar do universo. Pode ser que, no planeta X, a civilização Y chame copo de "litu" e água de "burga". Pode ser que a água seja utilizada para outras coisas, pode ser que os elementos químicos de sua composição sejam representados graficamente de uma forma diferenciada mas, continuará a ser H2O como é aqui na Terra. Logo, o copo d'água nunca poderá ser relativizado como sendo um elefante, um sofá ou uma montanha. A despeito da extrema obviedade da afirmação, mesmo com todos os avanços em várias áreas do conhecimento humano, tem muita gente achando que o Sol continua sendo "Deus cuspindo fogo", ignorando por completo a única explicação válida sobre o Sol por causa de todas as coisas mencionadas acima e também no post anterior. Ou seja, “Deus cuspindo fogo” é muito mais humano, atraente, mágico, divertido e reconfortante, mantendo-me no “país das maravilhas” de uma infância expandida que eu nego até o último segundo a abandonar. Neste exato momento, eu opto por tomar a pílula azul, pois não estou a fim de largar o mundo que eu criei como sendo "o real".
Esta concepção de verdade está longe de ser invenção minha, sei que contraria muitas linhas filosóficas e até certos ramos da psicologia moderna mas creio ser a concepção mais sensata e coerente com o meu nível de conhecimento atual. Até que me provem o contrário, é o conceito temporário de verdade que eu considero em minha vida. Sendo a verdade a única explicação possível da realidade, podemos concluir que enquanto estivermos lutando por verdades relativas, viveremos em uma Torre de Babel planetária que levará a sociedade humana inevitavelmente para o caos.
Abs:
Marcio