segunda-feira, 29 de junho de 2009

Deus é Gente

Mais uma vez, ao deparar-me com um folheto de divulgação de uma linha cristã bem conhecida, li um título que chamou minha atenção: "Deus é uma pessoa real?". Pensei: "Como assim Deus é uma pessoa real?". E a curiosidade levou-me a ler todo o resto. Seguem dois trechos do referido texto, os quais eu achei mais interessantes:

Primeiro trecho: "Primeiro, ele tem um lugar de morada. Segundo, ele é uma Pessoa, não simplesmente uma força indefinível que está em toda parte."

Segundo trecho: "Visto que Deus é uma Pessoa, ele também tem personalidade. Há coisas que ele gosta e coisas que ele não gosta. Ele também tem sentimentos. A Bíblia nos diz que ele ama seu povo, se alegra com seus trabalhos, odeia a idolatria e se sente magoado com a perversidade (Gênesis 6:6; Deuteronômio16:22; 1 Reis 10:9; Salmo 104:31). Em Timóteo 1:11, ele é chamado de "Deus feliz". Não é de admirar que Jesus tenha dito que podemos aprender a amar esse Deus de todo o nosso coração - Marcos 12:30."

Ao conversar sobre esta questão surreal com o seguidor Roni, o qual possui um blog que eu recomendo (http://pensamentoemextincao.wordpress.com/), este me lembrou sobre esse tipo de "descrição do divino" ser um fenômeno pré-histórico. De fato, ele tem toda a razão.

Os mitos e as religiões parecem ser fenômenos arquetípicos genéricos, surgindo em todos os lugares e em todos os povos da antigüidade. As primeiras manifestações religiosas, de acordo com certos estudos antropológicos relativos aos povos pré-letrados, apontam para as figuras femininas do período paleolítico europeu. Interpretadas como deusas da fertilidade pelos eruditos atuais, as primeiras esculturas feitas pelo homem parecem reportar logo de início às questões ligadas aos mistérios da existência. Com efeito, as estatuetas, pinturas rupestres e o cuidado com que os nossos antepassados enterravam os seus mortos já eram manifestações legítimas das primeiras formas de preocupação com a vida após a morte, com os mistérios da fecundidade e com as dificuldades advindas da luta pela sobrevivência.

Expressando sua integração com a natureza por meio de rituais cuja principal característica era a vivência do indivíduo, os povos primitivos davam muito valor à participação de todos os membros do clã em cerimônias de caráter religioso. Tais princípios de religião salientavam a nítida observação dos elementos da natureza, sendo evidente o fato de haver a ausência de traços de criatividade na inspiração mítica dessas culturas. Ou seja, seus objetos de culto diziam respeito a entidades e fenômenos observáveis na natureza tais como o Sol, o céu, a Lua, os relâmpagos, os animais, etc. Suas primeiras formas de culto envolviam certas explicações e justificativas para aquilo que era observado no reino natural e no cotidiano e, embora fossem criativos em sua arte e em suas formas de culto, os elementos e situações que inspiravam suas crenças estavam todos presentes no mundo palpável de suas percepções. Assim, imitavam os fenômenos naturais — tal qual se valiam da imitação os aborígenes envolvidos com os cultos da carga — a fim de obter por parte da natureza todos os benefícios necessários a sua própria sobrevivência: fartura na caça e na pesca, proteção das intempéries e de animais perigosos e explicação para os mistérios que envolviam a morte, a fecundidade e a própria continuidade da existência. Diante da grandiosidade da natureza e, em contrapartida, diante da constatação de impotência perante tais fenômenos, os povos primitivos começaram a apelar para rituais com oferendas a fim de atrair a amizade dos deuses, os quais, à imagem e semelhança desses povos, deveriam ter uma personalidade. E como toda personalidade, deveria mudar de tempos em tempos, estando de bom ou mau-humor de acordo com a fenomenologia natural observável. Na dúvida, melhor seria ser amigo dos deuses com todos os seus defeitos e qualidades para gozar das possíveis vantagens dessa amizade.

A oferta de oferendas para agradar aos deuses resultaria, um pouco mais adiante, no surgimento da oposição ao sistema de relação com a noção de sagrado, isto é, a magia. Embora seja um tanto difícil fazer a devida distinção entre religião e magia, sendo ambos os conceitos facilmente confundidos em certos ritos, tais diferenças existem se considerarmos os princípios que geraram ambas as concepções. Com efeito, enquanto a religiosidade se caracterizava pela submissão e aceitação da vontade dos deuses, a manipulação mágica surgia como uma opção derivada de uma certa "rebeldia" contra o curso natural das coisas, visando o controle das forças da natureza a fim de obter desejos particulares. Tais objetivos passaram a ser confundidos, misturados e incorporados pelas tradições religiosas com o decorrer do tempo; porém, não deixavam de tentar responder às indagações a respeito de qual seria afinal o destino do ser humano e de qual seria o seu papel dentro do cenário da vida.

Hoje em dia, porém, tais interpretações não fazem o menor sentido e querer perpeturar este tipo de visão sobre o divino é o mesmo que desejar viver no tempo das cavernas. Campos do conhecimento humano como física, cosmologia, astronomia, biologia, medicina e tecnologia da informação nos dão mais do que todo o suporte intelectual necessário para fazer cair por terra qualquer explicação do nível que testemunhamos acima, a qual argumenta que Deus seria uma pessoa. Levar adiante este tipo de interpretação da realidade, mesmo considerando apenas o acesso aos conhecimentos primários sobre cosmologia, é o mesmo que acreditar em papai noel com 47 anos idade.

Mas os fiéis tendem a abafar "os furos" de um ensinamento só porque ele é de caráter religioso. Tendem a fazer vista grossa para explicações infantis ou justificativas tôlas só porque o conteúdo faz parte de um folheto, ensinamento ou sermão religioso. Se eu saísse por aí dizendo que "Deus é uma Pessoa", a qual mora em um lugar específico, com pesonalidade, gostos e desgostos, preferências, humores e comportamentos variados de acordo com sabe-se lá quais critérios pessoais, me achariam totalmente maluco. Mas como trata-se de um texto religioso, essas informações são não somente toleradas como muito bem aceitas sem nenhum questionamento. Tratam-se de mecanismos de proteção das tradições muito bem desenvolvidos dentro das instituições religiosas com o intuito de fazer as pessoas não pensarem em tais argumentos falhos sob a justificativa de que são dogmas intocáveis, sagrados, os quais estão longe da nossa vã compreensão. E nós, muito ingenuamente, aceitamos de bom-grado este tipo de justificativa.

Da mesma forma, se eu decidir virar "artista" e começar a fazer shows com músicas e letras infantis, pulando e cantando igual a Xuxa, serei tachado de ridículo e é óbvio que não farei sucesso algum. Mas pegue um padre católico e coloque-o para fazer a mesma coisa e o resultado será completamente diferente. Por quê isso? É o mesmo mecanismo de proteção associado ainda ao conceito de autoridade. Eu não posso mas o padre pode, afinal, ele é uma autoridade religiosa. Quem somos nós para julgar? Ele sabe muito bem o que está fazendo. Já você, reles pecador, ainda tem muito a aprender...

Abs:
Marcio

Um comentário:

  1. Posso aqui opinar com conhecimento de causa. Dentre os fanáticos eis aqui o pior grupo de todos - TJ. Pra mim é mais do que religião, é uma catarse coletiva absurda. Pessoas que vivem em função de um Deus que consideram único, verdadeiro e dono da mais absoluta verdade e que lhes concederá um lugar no tão esperado paraíso. Em nome disso abrem mão de tudo que se possa imaginar neste mundo real, este que conhecemos e vivemos agora.
    Pra mim trata-se de um bando de loucos que tenta proliferar sua ridícula crença a qualquer custo, não tendo o menor pudor em bater de porta em porta pra pregar-nos a 'verdade'. Gente assim me faz sentir asco.

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