segunda-feira, 22 de junho de 2009

Cadê a Rebeldia?

Lembro-me do período do colegial, época que ficou marcada pela expressão máxima da minha revolta, rebeldia típica de um adolescente de classe média. Lembro-me das "diretas já", das greves dos sindicatos, do PT ainda como partido de esquerda atuante e de uma classe estudantil mais politizada. Era normal ouvir músicas diferentes com letras desafiadoras, questionar o sistema, indagar os professores, protestar contra os políticos, questionar as tradições, enfim, era normal "ser do contra".

Hoje, vejo um cenário completamente diferente. Vejo os jovens muito mais complacentes, muito mais integrados ao sistema, muito mais conformados com as tradições, frequentando missas e participando ativamente de eventos religiosos. Ou seja, a tradição parece ter vencido e uma horrível sensação de que tudo está resolvido ou de que não há mais nada a ser feito parece fazer parte do cotidiano dos adolescentes contemporâneos. No geral, vejo uma juventude continuista, pouco criativa, pouco inovadora, conformada e ajustada à corrente predominante da nossa sociedade, mais do que em qualquer outra época.

O que está acontecendo? Cadê a rebeldia típica dos anos 60, 70, 80 e 90? Lógico que, se considerarmos cada época, é mais do que certo constatar que o "nível de rebeldia" foi sofrendo uma redução ao longo dos anos, fator que eu já considero por si só perigoso. Mas agora, eu não posso considerar como simplesmente normal o desaparecimento dos traços de rebeldia em nossos jovens, sendo a adolescência um período tão crucial em nossas vidas em termos de formação.

É óbvio que estou generalizando. Estou ciente de que há grandes exceções em nossa juventude mas, no geral, percebo a predominância do "encaixe no sistema" e me preocupa muito quando ouço alguns intelectuais alegando que não existem mais ideologias, portanto, os jovens não teriam como lutar por nenhuma causa que justificasse o comportamento rebelde. Embora eu reconheça que há uma ausência de ideologias da forma que testemunhamos nos anos 60 e 70, não posso concordar que isso poderia justificar o "comportamento bovino" dos jovens atuais. Quer dizer então que, se não há mais ideologias, está tudo certo? Não existe mais nenhuma razão para lutar? Nenhuma forma de mudar a situação? A vida é assim mesmo e ponto final?

Na verdade, a interpretação dos intelectuais revela um problema subjacente que pode estar por trás do comportamento complacente dos jovens: não há mais uma percepção de problema. Há hoje uma grave crise de percepção, de uma forma que os problemas são banalizados e fazem parte da estrutura de um modelo "eternizado" de sociedade. Ou seja, o problema nem é mais visto como tal e sim como parte intrínseca do "sistema de engrenagens" do cotidiano, o qual é aceito e assimilado desta forma, sem qualquer traço de suspeita de que as coisas poderiam ser diferentes. Essa falta de percepção deve-se, pelo menos em parte, ao nosso falido sistema de educação, o qual não só retirou a filosofia do ensino médio (ainda na época da ditadura) como, por outro lado, introduziu o ensino religioso nas escolas (retrocesso mais recente). Como a idéia central da filosofia é ensinar as pessoas a pensar (este pelo menos deveria ser o enfoque da disciplina no nível básico de educação), foi muito conveniente para a ditadura retirar essa matéria das escolas.

A filosofia é uma disciplina importante para a nossa formação. Para quem não sabe, o pensamento filosófico constitui uma visão lógica e crítica da realidade que surgiu como sistema de oposição aos preceitos religiosos já por volta do século V a.c. Aparecendo inicialmente na Antiga Índia e pouco tempo depois na sociedade grega, a filosofia revelou os primórdios do pensamento independente da religião com o objetivo de preencher a lacuna deixada pela queda gradual da credibilidade das crenças e dos mitos. E foi na Antiga Grécia, mais precisamente, que floresceu a filosofia cuja influência dominou a formação do pensamento científico e da visão de mundo ocidental.

O Brasil, todavia, conhecido por ser um país predominantemente cristão (89% da população), carrega uma história pouco aderente à formação e desenvolvimento de uma filosofia nacional. A própria influência da Igreja na cultura brasileira encarregou-se de abafar a necessidade de um pensamento crítico da realidade, considerando a influência do dogma cristão sobre o molde do pensamento do povo brasileiro. A visão crítica da realidade independente da influência da religião sempre foi um fenômeno atrelado à classe intelectual brasileira, a qual teve acesso a uma educação de nível muito superior à esmagadora maioria da população. Se pensarmos ainda em toda a fase de censura que a ditadura militar levou adiante com mãos de ferro, a conclusão será de que a liberdade e o incentivo à produção intelectual livre nunca encontraram um nicho muito adequado para serem desenvolvidos de uma forma democrática, ficando fadados à uma elite intelectual apartada das massas. Desta maneira, a baixa qualidade da educação pública brasileira não é nenhuma novidade nem tão pouco o seu inacreditável declínio uma pura obra do acaso.

É claro que todo o sistema educacional deve ser amplamente reformado. Mas para manter o foco deste post, um dos grandes desafios educacionais do momento, além da correta implantação da filosofia na grade curricular do ensino médio, é o esforço para defender os valores de um modelo de ensino laico. O modelo vigente, já bastante fraco, vem sofrendo ainda fortes abalos pela progressiva adoção do ensino religioso nas escolas públicas deste país, na maioria das vezes sob o enfoque prático e não histórico (para maiores informações sobre o assunto, vide o post "Liberdade?!?!?"). Se a adoção do ensino religioso continuar da forma como está, a filosofia terá, mais uma vez, nenhum espaço para se desenvolver para além dos domínios acadêmicos de algumas poucas universidades. Agora, imaginem um modelo de educação que, não somente deixa de ensinar as crianças a pensar, como ainda introduz o ensino religioso na grade curricular das escolas públicas funcionando em pleno vapor daqui há alguns anos. No futuro, não haverá espaço para o questionamento, indagação, contestação, produção intelectual livre e diversidade cultural nem ao menos nos ambientes acadêmicos por causa do ingresso de uma legião de jovens que foram doutrinados desde o período do ensino médio.

Para quem acha que estou exagerando na descrição do cenário, parte das evidências que corroboram o que estou tentando dizer está presente na matéria de capa da semana passada da revista Época, cujo título é: "Deus É Pop". A matéria fala sobre recentes pesquisas, as quais revelaram que 95% dos jovens brasileiros consideram-se religiosos, 57% acreditam que é importante participar de atividades religiosas, 60% acreditam que Deus interfere diretamente em suas vidas e 79% acreditam na importância da oração. Este alto índice de religiosidade entre os jovens é bastante significativo ao abordarmos a diminuição da rebeldia entre os mesmos.

Contudo, há quem possa afirmar, baseado inclusive na própria revista, que os jovens não deixaram de ser rebeldes, haja visto o exemplo de uma garota evangélica toda tatuada dentre outros exemplos ao longo da matéria. Devemos considerar, todavia, que a rebeldia nos casos demonstrados permanece muito mais concentrada a pequenos grupos se for comparada com a amostragem total e, paradoxalmente, canalizada para o fortalecimento da tradição. Sendo a religião um dos pilares de sustentação da estrutura da nossa sociedade, tal manifestação é uma rebeldia às avessas, a qual serve para fortalecer o sistema ao invés de fornecer as bases para reformulá-lo. Embora haja novas roupagens para interpretar uma estória muito antiga (refiro-me aos novos formatos das igrejas evangélicas), os fundamentos milenares do Cristianismo continuam ali presentes e cada vez mais arraigados. Estamos, então, falando aqui de uma rebeldia em pról da continuidade. O comportamento pode até ser rebelde mas as motivações estão impregnadas de uma valorização da situação. Para quê ser rebelde então? É como se os jovens lutassem para continuar presos em uma penitenciária. Pode existir algo mais desconexo do que isso? Creio que não...

São por essas razões que eu fico cada vez mais decepcionado com os nossos jovens. Não existe nada mais deprimente do que observar adolescentes de 15, 16 ou 17 anos dirigindo-se de bom-grado para assistir uma missa católica ou um culto evangélico com uma visão de mundo já predefinida. Programa-se, na melhor fase de suas vidas, de que forma todo o restante de suas vidas será vivido. É a morte, ainda em tenra idade, de toda ideologia, questionamento e reforma das bases de uma sociedade em ruinas. Fazendo o livre uso de uma analogia, é como se pudéssemos ver vários jovens, com toda uma vida pela frente, amarrando-se à estrutura de um grande navio que está afundando ao invés de saltarem da embarcação para tentar salvar suas próprias vidas. Nada mais triste e paradoxal para os representantes do nosso futuro...

Abs:
Marcio

Um comentário:

  1. A filosofia já é grade fixa do ensino médio, não? Meu tio dá aulas de filosofia para o 2º e 3º colegial há uns três anos. Mas quer sair porque não suportou o sistema educacional, que segundo ele trabalha contra os alunos e contra a educação. Não duvido nada.

    Essa rebeldia pequena não é rebeldia de verdade. Essa que só muda comportamentos superficiais.

    Fui também uma adolescente muito revoltada; criava motins no colegial, discursava para todos sobre a influência malévola da mídia na cultura brasileira, gritava sobre os poderes injustos da igreja sobre o mundo (coincidentemente ou não, tudo ao som de Nine Inch Nails no último volume!).
    Mas mudei totalmente minha abordagem, nos últimos anos. E consegui muito mais coisas. A Era de Aquário não vai deixar quieta a onda de conformistas. Agora tô mais em busca de evolução do que de revolução; a última acontecerá inevitavelmente. Estaremos preparados para ela?

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