quarta-feira, 3 de junho de 2009

Glória ao Senhor, Minha Única Droga!

Antes que me crucifiquem, o título acima não foi invenção minha... Faz parte de um comentário anônimo deixado no site de notícias Último Segundo. Segue o infeliz comentário na íntegra:

"ansiedade, síndrome de pânico, depressão, etc...tudo coisa de gente fraca, mente fraca, debilóides escravizados pelo sistema que precisam de ''remedinho'' pra conseguir viver, são iguais aos viciados em drogas, seres inferiores e desprezíveis de mente fraca que não merecem viver. Glória ao Senhor, minha única droga!"

O teor do texto acima foi comentado no post anterior, o qual eu intitulei como "Fanatismo". Conforme o prometido no post, agora vou comentar apenas a última frase do texto pois considero-a por demais emblemática. Seria até cômica se não fosse trágica.

A criatura que escreveu a frase acima, embora muito provavelmente não saiba, acabou por fazer um comentário que tem bastante propriedade. Isto porque, de acordo com as idéias legadas pelo famoso filósofo social e economista alemão Karl Marx (1818 - 1883), "a religião é o ópio do povo". Apesar das críticas que ele recebeu por dizer esta dentre outras coisas não muito educadas e agradáveis aos olhos do puritanismo e da tradição burguesa em meados do século XIX, talvez ele tivesse um pouco de razão. Afinal de contas, não seria a religião uma espécie de uma droga? Antes que me crucifiquem de novo, permitam-me terminar meu raciocínio.

As pessoas buscam as religiões por variados motivos e quase sempre não dão conta que a filiação à uma religião específica ocorre primeiramente por razões regionais e culturais. Somos cristãos porque nascemos em um pais latino americano, onde há uma enorme probabilidade das pessoas associarem-se ao cristianismo. Se tivéssemos nascido na India, por exemplo, as chances de sermos hindus seriam imensamente maiores. Seja porque nascemos em um ambiente religioso e isso constitui a única forma conhecida de encarar o mundo ou porque posteriormente buscamos dar um sentido maior à nossa vida (voluntariamente ou por causa de algum problema), associar-se a uma religião visa trazer respostas e conforto para nossas mais profundas inquietações. Todavia, estamos falando de respostas estanques, imutáveis, mais conhecidas por dogmas.

Os dogmas não possuem qualquer relação necessária com fatos, visto que não objetivam manter um elo racional com a realidade. São como contos, estórias e lendas misturados e distribuídos em liturgias que institucionalizam sistemas verticais de poder e de controle, os quais objetivam disseminar uma visão de mundo específica. Essa visão, disseminada na forma de leis inquestionáveis, diz para as pessoas exatamente aquilo que elas desejam ouvir envolto em uma "aura de mistério" ou com um clima de "sagrado" que nós, seres humanos, gostamos muito de reforçar. Obviamente, sentimo-nos confortáveis pela idéia de que há algo maior zelando pelas nossas vidas, mesmo que isso signifique sacrifícar nosso ato de raciocinar em nome do "divino", do "miraculoso" ou do "profundo mistério da fé". Neste sentido, o "efeito anestésico" da aceitação do mistério ficou demasiadamente explícito no infeliz comentário: falta de raciocínio, efeito comum em viciados em droga. Esse "efeito anestésico" é tão real que é muito comum os fiéis aceitarem qualquer tipo de comportamento, posicionamento ou argumentação, os quais seriam inaceitáveis se partissem de um pessoa comum, sob a justificativa de que os mesmos advém de uma autoridade religiosa.

É óbvio que a manutenção do mistério é uma saída muito conveniente tanto para os mantenedores quanto para os seguidores da Igreja e outras instituições. Geralmente, houve-se dizer: o mistério é o principal elemento da fé. Pois bem: não há nada de errado com o mistério, afinal de contas, ele apenas indica a existência de certos níveis de desconhecimento em relação às causas ou conseqüências envolvidas em um evento qualquer. A questão problemática, todavia, é tentar perpetuar a existência do mistério, impedindo que o conhecimento tome o lugar antes dominado pela ignorância, evitando assim o nosso avanço enquanto sociedade. E é justamente isso o que fazem as religiões. É de profundo interesse dessas instituições que a aura de mistério permaneça viva pois, se por um lado o mistério é o principal elemento da fé e se por outro o mistério corre o risco de ser eliminado, a religião pode deixar de ter a sua razão de ser e de existir. Neste sentido, sabemos que a fé constitui o pilar de sustentação das religiões, não sendo nenhum pouco interessante para os envolvidos em sua manutenção que ela tenha a sua função fortemente abalada.

Feita exatamente para preencher os buracos da nossa ignorância, a religiosidade poderia ser definida como um sistema psicológico de relacionamento com os domínios do sagrado, caracterizada ainda pela submissão e aceitação do que seria a vontade de um (monoteísmo) ou mais deuses (politeísmo). Fundamentada sobre os pilares dos mais severos dogmas e paradigmas, a religiosidade parece estar na contramão da história ao perpetuar crenças e valores culturais que negligenciam toda forma de desenvolvimento e de avanço, pois não permitem que se questione a manutenção de sua própria existência e estrutura. Nesse sentido, a religião é a sublimação da manutenção do “status quo”, promovendo a aceitação e o conformismo em relação ao sistema ao invés de fornecer as bases para reformulá-lo. Até o conceito de fé religiosa representa uma barreira contra a mudança, uma vez que ela preserva uma condição mental infantil baseada em sentimentos de confiança e segurança em um mundo presidido por pais poderosos, dominadores, responsáveis e bondosos. Tal condição acaba eximindo-nos da responsabilidade de sermos donos de nossas vidas, transferindo a responsabilidade de nossos atos para um fator externo cujo poder se encarregará de fornecer e manter tudo aquilo que precisamos. Com efeito, qualquer proposta que represente uma suposta ameaça ao desfrute dessa condição de confiança e segurança é sumariamente descartada pelos fiéis. Como crianças que apenas cresceram em tamanho, negamo-nos a aceitar a nossa derradeira emancipação (negação da nossa liberdade na forma de apego escapista semelhante a um vício). Permanecemos na infância expandida de uma vida religiosa regida por pais arquetípicos nascidos em um passado remotíssimo. Assim, vemos que a religião como manifestação cultural é algo plenamente compreensível e aceitável para os padrões do período paleolítico e até para os padrões de períodos posteriores, uma vez que o contexto humano era completamente outro. Hoje, porém, a maioria das religiões constitui nada mais e nada menos do que sofisticados desdobramentos dos cultos da carga, movimentos cuja aparente incorporação de novos valores só servem para mascarar uma estrutura subjacente que nos acompanhou desde os primórdios da História. O próprio conteúdo de suas proposições, apesar de possuir ensinamentos dignos de serem ouvidos, em geral choca-se de frente com os avanços da ciência e do conhecimento, fornecendo em alguns casos uma visão obtusa e medieval da realidade.

É claro que cada um tem o direito de acreditar naquilo que bem entender mas, se subordinamos a nossa vida tão somente em relação às coisas que nós gostamos ou queremos, corremos o gigantesco risco de estarmos nos enganando. Infelizmente, preferimos viver nos mundo dos sonhos ao invés de nos depararmos com a nua e crua realidade. E talvez essa realidade não fosse assim tão "crua", se passássemos a vivê-la "de cara limpa", de forma responsável e com maior intensidade. Neste sentido, a religião funciona exatamente como uma droga: cobrindo de forma paliativa as profundas carências existentes na psiquê humana.

Abs:
Marcio

5 comentários:

  1. Cruz:

    Parabéns pelo blog. Vou tentar participar sempre que possível, ok?
    Bjs,

    Rita

    ResponderExcluir
  2. Obrigado Rita! Seja bem-vinda e aguardo seus comentários...

    Bjs,
    Marcio

    ResponderExcluir
  3. Cruz, gostaria de sugerir o mesmo tema que sugeri ao Roni: "Emoção X Razão". Já que o seu blog explora o assunto extraterrestre, queria saber: Como vc acha que os extrarrestres lidam com a emoção? Será que já superaram isso e conseguem ser só racionais? Será que seres mais evoluídos não precisam lidar com as emoções como nós, meros terrestres mortais? Gostaria da sua opinião sobre o tema, se quiser aceitá–lo, é claro.
    Bjs,
    Rita

    ResponderExcluir
  4. Caro Márcio,

    Concordo com a essência do seu post. Em muitíssimas pessoas, os efeitos religiosos, assim como os agentes motivadores da busca por alguma forma de religiosidade, ambos tem princípios semelhantes aos de agentes químicos diversos. Em algumas culturas, inclusive, o contato com o espiritual, com a religiosidade, com o divino, ocorre em conjunto com o consumo de agentes químicos responsáveis por processos de transe, o que para alguns é a mesma coisa de entrar em contato com o mundo divino, dos mortos ou dos espíritos. Para outros o consumo de agentes químicos ajuda até mesmo no contato com civilizações extraterrestres. A droga e a religião, em muitas direções distintas, andam juntas há muito tempo. E os senhores "aproveitadores" do mundo religioso sabem muito bem como funcionam tais princípios na mente humana. Daí parte do grande sucesso de arrecadação de público, de todas as classes sociais, por parte de tais senhores.

    Mas quero ressaltar apenas mais dois pontos.

    Quanto ao tema "mistério", é claro que é algo também muito bem aproveitado e manipulado de forma sublime pelos senhores da religião. E sabemos também que o tema é fundamental para o marketing de vários setores no mundo todo. Em todo o mundo, em culturas avançadas ou primitivas, o mistério exerce fascínio na mente humana. Tais princípios que seduzem a mente humana são muito bem conhecidos hoje em dia pelos especialistas mundo a fora. Não é segredo que tais especialistas são consultados pelos senhores da religião, assim também como é fato que tais estudos não páram. O que quero ressaltar é que vejo o mistério como algo necessário. E não vejo a possibilidade dele não existir tamanha é a nossa ignorância a respeito de nós mesmos, da natureza, do mundo e do universo. Aprecio o mistério e acredito que ele nos motiva e dispara nossa imaginação, o que faz com que a usemos para formentar novas perguntas a respeito do que nos cerca. Infelizmente o mistério é também algo muito bem manipulado por vários segmentos de interesses particulares. Os senhores da religião não ficam de fora disso.

    Ao longo do seu post você menciona várias vezes as "religiões". Ao meu ver, a essência do seu post tem uma relação muito mais aplicável com os princípios religiosos de algumas religiões que, como você mencionou, existem aqui no ocidente. Todos os pontos apontados por você me trazem à mente o islamismo e o cristianismo. Já o judaísmo, originário da mesma raiz das duas anteriores, ao meu ver, já não se encaixa em todos seus apontamentos. Religiões orientais como o hinduísmo, budismo, sikismo, taoísmo e outras muitas, também ao meu ver, estão um pouco mais distantes da essência deste post. E ainda religiões indígenas, africanas, afro-indígenas e afro-brasileiras se encontram mais distantes ainda dessa abordagem. O mundo religioso é amplamente diverso e numeroso e as origens de tais religiões nem sempre têm semelhança com a história de religiões como o cristianismo, a qual entendo ser a que mais se enquadra em seu post. Como você sabe, a história das religiões, assim como os motivos pelo sucesso ou não de cada uma delas, é um tema praticamente infinito.

    Abraço...

    Roni Adame

    ResponderExcluir
  5. Grande Roni...

    O post acima está, de fato, muito mais relacionado ao conceito de dogma do que qualquer outra coisa. Onde há dogmas religiosos, creio que o exposto acima seja válido. Outro conceito válido, por exemplo, é a crença de que existe algo maior e mais poderoso do que o ser humano zelando e regulando os aspectos da nossa vida diária. Veja que, aqui, esse mecanismo de interpretação do mundo não se aplica apenas às religiões oficiais, envolvendo também linhas ocultistas e esotéricas em geral. Abrange até muitas pessoas que consideram a si próprias como "agnósticas". Assim, como você mesmo mencionou, o assunto, quando bem desenvolvido, é praticamente infinito em termos de "ramificações", muitas vezes até saindo do domínio das religiões.

    Mas voltando ao ponto central das suas indagações, estou ciente de que existem muitas diferenças entre as religiões, principalmente se considerarmos as culturas ocidental e oriental. No budismo original, por exemplo, o fato de não haver uma concepção de divindade já descaracteriza o que eu mencionei anteriormente sobre a crença em um "poder maior". Ciente dessas diferenças, eu já citei em um outro post que, por uma questão de maior proximidade e convívio, minhas críticas recaem principalmente sobre o cristianismo e, em seguida, as outras grandes religiões do ocidente. Isto não implica que, outras religiões, mesmo de origem oriental, acabem ficando de fora do alcance de algum aspecto de meus comentários. Contudo, seria impossível abordar todas as religiões de uma forma homogênea em um único post e, por essa razão, eu frequentemente generalizo. Menciono "religiões" para facilitar a explanação e continuar com minha linha de raciocínio.

    Abs:
    Marcio

    ResponderExcluir