quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Para Quem Acredita (parte 3)

Finalizando a série de posts “Para Quem” (recomendo a leitura dos últimos 3 posts pois estão todos interligados), nem tudo são flores neste mundo de experiências insólitas daqueles que buscam trilhar o tortuoso caminho do conhecimento. A busca por respostas passa necessariamente por muitos desafios, os quais nem sempre são superados pela gente. E é sobre isso que eu falarei agora.

No post anterior eu fiz uma breve introdução à Missão Rama do Brasil e, apesar dos elogios que fiz e sempre faço à experiência pela qual eu passei, não posso deixar de levantar críticas ao processo. Para quem leu os posts anteriores eu peço licença agora para escrever a respeito de algo que, apesar de ser muito particular de quem participou da Missão Rama, é um problema para todos nós em maior ou menor grau: não assumir nossos inúmeros erros. A Missão Rama do Brasil sofreu com vários erros humanos e seria uma traição absurdamente grande ao próprio discurso original ignorar por completo tais erros. Por isso, passo agora para o questionamento, ferramenta que integrava a espinha dorsal do projeto, para falar de alguns aspectos equivocados que, até hoje, representam a linha de pensamento de muitos ex-integrantes.

A descrição da Missão Rama, seja por escrito ou no discurso falado, sempre foi muito ousada e desafiadora e, por isso mesmo, me atraiu logo de cara. No final do livro “OS Semeadores de Vida”, existem dois trechos que descrevem de uma forma bem resumida o objetivo do trabalho, os quais eu transcrevo em seguida:

O Projeto Rama não é dono de nenhuma verdade, de nada que seja definitivo. O que temos a mostrar é o que agora nos parece mais coerente e mais prático, sendo que amanhã poderá ser substituído por uma nova descoberta, por uma outra conclusão ou até por uma nova proposta. Nós não temos nada determinado ou determinante, a não ser o objetivo de errar menos. Nós não temos verdades, apenas perguntas objetivando respostas. Não temos líderes, apenas seres humanos irmandados na construção e realização de um futuro.”

O Projeto Rama é um movimento sem qualquer vínculo econômico, não existindo circulação de dinheiro em hipótese alguma. Existimos como uma proposta que visa estruturar uma base para o trabalho de reformulação, tanto de parâmetros como de referências e critérios de análise. Questionar os processos convencionais de aprendizagem, assim como os valores convencionalizados. Procuramos refletir sobre as relações culturais que determinam as convenções, para poder evidenciar as falhas que ocorrem no processo formativo psicológico e social do indivíduo, e descobrir o que verdadeiramente existe por detrás do universo material. Buscamos ter acesso aos mistérios da vida e da morte, sem ter, para isso, qualquer compromisso doutrinário. Nossa descoberta é própria e livre, pois não existe para provar se somos melhores, apenas para saber e identificar em que direção nos devemos mover.”

E é partindo dessas descrições que eu questiono agora os próprios mitos e dogmas da Missão Rama. São chavões e linhas de raciocínio que foram criados e sedimentados como verdades ao longo do tempo, indo contra os princípios da própria proposta original. E é por isso que este texto finaliza a série “Para Quem”. Espero que fique claro para quem leu os 3 posts anteriores o quão ingênuas são certas premissas que ainda “pairam no ar” ao redor da cabeça de alguns ex-integrantes do Projeto.

Não pretendo ser completo aqui nestes questionamentos. Cada ponto levantado pode ser esmiuçado de inúmeras formas, existindo ainda outros mitos e senões, os quais eu não exploro por simples falta de tempo e espaço nestes posts cada vez mais longos... Mas vamos à alguns questionamentos mais imediatos na minha mente:

1) NÃO ENTREI NO PROJETO PARA VER NAVE.

Por trás deste argumento, existe uma premissa de que, em primeiro lugar, ver OVNIs seria uma coisa para pessoas baixas, ignorantes, materialistas, preocupadas com fenômenos mas não com o “desenvolvimento humano”. Pessoas que “só estão a fim de bagunça”, ou seja, “arruaceiros” e outras tolices. Quem diz isso geralmente acha-se mais “evoluído” ou “comprometido” que os demais, e coloca sua “busca espiritual” acima de “coisas sem importância”.

Este tipo de raciocínio foi e ainda é bastante comum não só entre os integrantes da falecida Missão Rama mas também na tal da “ufologia mística”. E o pior é que, quem se manifesta desta maneira, realmente não entendeu nada sobre o impacto e/ou grandeza envolvidos em um suposto contato físico. Partindo do princípio (muito benevolente de minha parte, eu confesso) que este tipo de evento é algo extremamente raro (para entender a alegação sobre a extrema raridade de contatos, vide o post “Para Quem Acredita (parte 1)”), nós não temos noção do quão arrebatador, revolucionário e transformador um fenômeno físico autêntico seria. Pensar que, dentro de uma sociedade cuja absoluta maioria das pessoas desconsidera por completo essa possibilidade, um evento físico seria algo irrelevante ou secundário é um raciocínio muito simplista de gente que acha que já aprendeu o suficiente, “conhece” ou “sabe” além da média humana. Falácia pura, traiçoeira e imensamente perigosa. Um eventual contato físico com uma civilização alienígena representaria um evento sem paralelo em nossa sociedade, uma oportunidade única e avassaladora de possuirmos uma referência externa ao nosso próprio planeta, trazendo uma avalanche de questionamentos e indagações que colocariam em xeque os próprios alicerces da nossa civilização como um todo (inclusive as concepções tidas como “avançadas” nas cabeças das pessoas sob influência da visão mística-esotérica). Um evento importantíssimo, acima da capacidade de valorização deste tipo de pessoa, a qual precisaria aprender sobre o quão incrível e bombástico um eventual contato seria para ser capaz de valorizá-lo de forma suficientemente séria. Um acontecimento que representaria um novo paradigma, um novo estilo de vida em nossa sociedade, acima dos paradigmas religiosos, esotéricos, ufológicos e outras "avançadas diferenciações". E é lógico: deduzir que os ETs pensam conforme eu penso, diferentemente da média geral de seres humanos (partindo do princípio que eu fosse partidário deste tipo de raciocínio) seria algo muito conveniente para o meu ego, já que o menosprezo por uma eventual fenomenologia física caracteriza que a pessoa já passou "dessa fase" na qual qualquer réles mortal estaria.

Enfim, quem diz que “contato físico não interessa” é porque ainda não aprendeu a fazer perguntas, justamente por achar que já possui respostas em demasia. Então, nunca se dará o trabalho de se questionar ao ponto de ser obrigado a perguntar o básico novamente. Esta pessoa está em “um outro nível”. Com esse tipo de pessoa, eu não tenho o que trocar.

2) CONTATO É ENDOSSO DE TRABALHO.

Outra falácia própria do discurso de Carlos Roberto Paz Wells, o qual sempre baseou seu trabalho, pelo menos no início, nas saídas a campo com comprovação física. Não questiono este tipo de raciocínio no início da Missão Rama mas depois de anos e anos de trabalho é notório observar que isso virou um dogma de fé. Se considerármos que apenas uma minúscula parte dos relatos de fenomenologia física é verdade (e olha que existem inúmeros relatos), mesmo assim, as condições e perfil dos “contatados” é tão diversa que seria impossível determinar um “padrão humano para o contato”, já que se um “contatado” está mantralizando e outro tomando cachaça (exagerei no exemplo apenas para ficar claro o que eu estou querendo demonstrar) não há padrão a ser seguido. Isso não existe, a não ser que houvesse um jogo no qual as “boas ações” seriam recompensadas e as “más ações” seriam punidas, sendo nós, obviamente, as cobaias dessa história. Do contrário, não dá para estabelecer um nível de entendimento e/ou comportamento humano para que o contato “ocorra como prêmio”. Trocando em miúdos, partindo do pressuposto de que alguns contatos sejam reais, isso dependeria completamente dos alienígenas, e achar que contato é “endosso de trabalho bem-feito”, como era comum de se achar na Missão Rama, é enxergar a riqueza da fenomenologia de uma forma muito linear e conveniente para nós, seres humanos. Os objetivos (nossos e os deles) não teriam que ser necessariamente casados para um encontro ocorrer. No final das contas, sempre dependerá 100% dos alienígenas, quer a gente goste disso ou não.

3) A "ELASTICIDADE" DAS COMPROVAÇÕES

A comprovação física, clara e concreta dos contatos sempre foi muito enfatizada no Projeto. Nada menos do que isso seria reconhecido. Todavia, foi incrível o quanto isso foi sendo "esticado com o tempo", fazendo com que outras coisas mais questionáveis e menos palpáveis acabassem entrando no hall de "comprovações", para nossa boa e velha conveniência, é claro. Desta maneira, eventos mais sutis e questionáveis começaram a fazer parte daquilo que muitos consideraram como "comprovações", transformando a necessária rigidez inicial, "certificado da nossa sanidade mental", em uma condescendência muito generosa. Se bem que tal fenômeno sempre partiu muito mais dos integrantes do que dos instrutores (participantes mais experientes), a falta de comprovação nos moldes iniciais fez com que alguns forçassem a barra ao incluir coisas absurdas na lista de "comprovações físicas".

4) QUEM SAI DO PROJETO É PORQUE NÃO ENTENDEU A PROPOSTA.

Se bem que isso pode ter sido verdade muitas vezes, não foi necessariamente a regra. É fácil concluir que a pessoa que está desistindo do trabalho não entendeu absolutamente nada. Pensar que “o que levaria alguém que entendeu a proposta a sair da própria proposta?” seria o mesmo que admitir que nem tudo são flores ou que a maneira como a “proposta” está sendo conduzida está deixando a desejar. E admitir nossos próprios erros é uma coisa que não gostamos de fazer, seja individualmente ou em grupo.

5) ET É ANJO, GUARDIÃO, MESTRE OU GUIA ESPIRITUAL.

Este é o sintoma mais típico de religião. Foi um problema forte e continua forte até hoje na cabeça de alguns ex-integrantes. A idéia de que os supostos alienígenas zelam pelos seres humanos, se preocupam com nossos interesses ou até mesmo nos protegem “espiritualmente” é um princípio completamente religioso. Esses alienígenas não teriam mais o que fazer no universo? Seríamos assim tão especiais? É muita pretensão da nossa parte achar que eles se envolveriam com nossos problemas cotidianos, intervindo em nossa vida para resolver questões ordinárias, as quais só cabem a nós mesmos resolver. Tais quais as linhas evangélicas apregoam a respeito da influência de Deus nas questões mais idiotas da nossa vida, há aqueles que aplicam os mesmos princípios em suas visões particulares de como seriam os alienígenas: bonzinhos, meigos, angelicais, zelosos e de fala rebuscada (é só ler algumas das supostas mensagens de ETs que existem aos montes por aí na Inernet). Considerando ainda o tema explorado no post “Para Quem Acredita (parte 2)", o qual menciona o absurdo nível de distanciamento entre nós e os eventuais ETs através da analogia das formigas, fica escancaradamente humano pensar que eles falam, pensam ou possuem valores semelhantes e convergentes com os nossos. Essas pessoas, em outras palavras, não cresceram como seres humanos, não se emanciparam, pois necessitam desesperadamente de um “pai” ou “mãe” espiritual para serem responsáveis por eles, posto que assumir que estamos por nossa própria conta e risco seria muito doloroso. Continuam em uma infância expandida, alimentando sonhos de criança ao invés de amadurecerem e assumirem a responsabilidade de suas próprias vidas. Por ser o aspecto mais religioso é o mais perigoso, visto que coloca as pessoas em uma zona de conforto difícil de ser quebrada. Quem quer sair do ventre materno, quentinho, confortável, com comida à vontade e sob total proteção da mamãe? Pois é, seria justamente esse o tamanho do problema...

6) SÓ EU TENHO A VISÃO DO TODO.

Reconheço que existem pessoas com mais experiência e/ou conhecimento do que eu. Claro. Imaginar que eu sou o suprasumo do conhecimento humano seria algo muito deprimente para mim. Todavia, aceitar que fulano está no nível X,Y,Z de consciência e eu, réles mortal, devo aceitar tudo o que ele diz sem questionar, sob o pretexto de que isso seria “respeito” eu não tolero de forma alguma. Esse é outro sintoma típico de religião, constituindo a hierarquização dentro das organizações humanas, fenômenos tão comum e ao mesmo tempo tão nefasto para o nosso desenvolvimento. E o mais inusitado a respeito disso é o fato de eu ter descoberto que não só existem pessoas deseperadas para serem líderes como, em um maior número, existem aqueles desesperados para serem liderados. É impressioante como dentro da Missão Rama esse perfil foi aos poucos aparecendo e crescendo exponencialmente com o tempo, com pessoas sedentas por um líder, um guru, um ET ou qualquer outra “forma superior” que pudesse configurar uma relação hierárquica. Gente querendo ser guiada, orientada, enfim, querendo que alguém dissesse o que elas teriam que fazer. Essa sempre foi uma tendência contra o próprio discurso original, o qual apregoava o crescimento em conjunto, a quebra de hierarquias, o aprendizado não-linear e a ausência de líderes. Mas aprender a ser “intelectualemte independente” não é uma tarefa nada fácil e muito menos óbvia. Na esmagadora maioria das vezes, temos certeza de que somos livres mas dependemos das idéias e discursos alheios para sobreviver. Ter um discurso próprio é um comportamento para poucos nesta vida. E nisso a Missão Rama pecou em deixar de desenvolver nas pessoas, embora eu reconheça que somente o tempo e a maturidade façam as pessoas agirem de uma forma diferente.

Por outro lado, a figura do Carlos Roberto Paz Wells acabou intensificando este tipo de postura algumas vezes, promovendo a hieraquização por mais que seu discurso dissesse o contrário. E quando questionado sobre este tipo de postura, algumas vezes, mostrou-se tão ortodoxo quanto os líderes religiosos ao serem questionados: agindo com destemperamento e refletindo insegurança. Centralização de “poder” (no caso, especificamente, onde se lê “poder” entenda como “conhecimento”) e estruturação hierárquica só intensificam a ignorância e a segregação, fomentando relações verticais baseadas no “cala-a-boca”. O questionamento sempre fez parte da espinha dorsal da Missão Rama e a partir do momento em que o mesmo é “visto com maus olhos”, isto significa que tudo deve parar para ser imediatamente revisto, atitude que infelizmente não ocorreu.

Mas não podemos generalizar. Tanto líderes quanto liderados erraram em maior ou menor grau e dizer que um lado errou mais do que o outro seria muito simplista da minha parte. O Projeto como um todo, sim, perdeu e muito.

Apesar destas dentre outras críticas que eu ainda teria a fazer, a Missão Rama do Brasil foi a proposta que eu conheci cujos integrantes foram mais longe em fomentar a revisão, o questionamento, o aprofundamento, a mudança, o conhecimento e o desenvolvimento real das pessoas. Nunca vi nada igual em qualquer outro grupo ou proposta de desenvolvimento. Nada nem parecido. Por isso, reconheço humildemente que os pontos positivos superaram os pontos negativos do Projeto. Mas a estrutura organizacional infelizmente acabou, talvez em parte por causa dos efeitos dos erros citados anteriormente. Assim, espero que este humilde texto possa servir de inspiração inicial para que outros ex-integrantes espalhados por aí possam se manifestar e, juntos, possamos fazer jus a algo ainda tão ousado e avançado para os padrões atuais da nossa sociedade.


Abs,

Marcio