segunda-feira, 1 de junho de 2009

Fanatismo

Ao ler uma matéria do Último Segundo denominada "Rivotril: a tarja preta mais vendida no Brasil", deparei-me com o seguinte comentário de um anônimo:

"ansiedade, síndrome de pânico, depressão, etc...tudo coisa de gente fraca, mente fraca, debilóides escravizados pelo sistema que precisam de ''remedinho'' pra conseguir viver, são iguais aos viciados em drogas, seres inferiores e desprezíveis de mente fraca que não merecem viver. Glória ao Senhor, minha única droga!"

Achei o comentário tão absurdo que resolvi trazê-lo para o meu blog e comentar sobre dois temas que ele me inspirou. O primeiro deles está aqui neste post, o qual eu resolvi chamar de "Fanatismo" e o segundo no post que ainda estou preparando, o qual será intitulado "Glória ao Senhor, minha única droga!".

A forma mais perniciosa de manifestação religiosa é justamente o fanatismo. Atuando como uma verdadeira lavagem cerebral sobre os fiéis, o fanatismo negligencia qualquer atitude racional, criando um mundo apartado da realidade e sendo esta uma das características técnicas do conceito de loucura (viver dentro de um contexto completamente separado do meio exterior). A partir daí, qualquer atitude, por mais incoerente que ela possa ser, torna-se justificável sob a alegação de que trata-se de uma "legítima defesa do que é divino". E quando a fé sobrepõem-se ao bom senso, os resultados são sempre muito desastrosos. Como fenômeno humano, o fanatismo faz parte da própria história mas causa muita indignação por ainda permanecer extremamente forte nos tempos modernos, período este em que o avanço geral da sociedade deveria dar pleno suporte para eliminar comportamentos tão primitivos. O fundamentalismo Islâmico contemporâneo, por exemplo, constitui apenas a repetição dos atos insanos cometidos pelo Cristianismo durante a Idade Média. A mesma dinâmica permanece acesa nas contínuas escaramuças entre hindús e muçulmanos pela disputa do território da Caxemira na Índia, bem como na sangrenta e intolerante discórdia entre árabes e judeus no Oriente Médio e a variável resultante envolvendo o terrorismo internacional. A única novidade é que agora os acontecimentos dessa natureza possuem uma alcance muito maior, sendo uma ameaça globalizada que atormenta direta ou indiretamente todas as pessoas em qualquer parte do mundo. E por mais que haja motivações políticas, sociais e econômicas envolvidas no radicalismo muçulmano (de fato, tais motivações existem e são legítimas) o ato derradeiro de acabar com a própria vida e com a vida de terceiros em nome de uma crença é fundamentalmente religioso. A promessa de reconhecimento divino e a posterior recompensa influenciam progressivamente o indivíduo ao ponto dele poder estar disposto a cometer o ato decisivo: o suicídio. Pior ainda é quando tal ato envolve a vida de terceiros, sendo ainda mais carregado de fanatismo e tanto mais forte o sentimento de religiosidade presente na atitude assassina. O menosprezo pelos outros pontos de vista é tamanho que o universal direito à vida é quebrado em nome da insana crença de que a convicção religiosa está acima da vida humana. O fato de sermos seres humanos muito antes de participarmos desta ou daquela religião é algo totalmente desconsiderado pelo radical suicida, sendo que isso deveria ser uma lei mundialmente reconhecida e respeitada (sei que estamos muito longe disto). E é claro que tirar a vida de alguém “em nome de Deus” constitui uma desculpa bastante fácil para liberarmos toda a nossa fúria reprimida com base em uma visão de mundo rancorosa, distorcida e desequilibrada.

Mas esse extremismo só existe porque há, de uma certa maneira, uma base dogmática que legitima a proliferação indireta desses atos. O dogma, a fonte que alimenta o fanatismo, é a característica fundamental de todas as religiões que representa em si mesmo o conjunto de leis imutáveis que não permite o questionamento, o aprendizado com o reconhecimento honesto dos erros e acertos e, por último, o tão desejado avanço. Portanto, não se trata aqui de ser contra esta ou aquela crença específica e sim contra o paradigma maior no qual transitam todas as bases religiosas conhecidas (antes que alguém reclame, ressalto que menciono o cristianismo com uma certa frequência por ser uma religião muito presente em nossa sociedade, sendo um exemplo muito mais próximo e mensurável para nós).

O infeliz comentário possui os ingredientes básicos supracitados e é um exemplo do quanto que o fanatismo cega completamente uma pessoa, por mais que ela esteja rodeada por informação e tenha acesso ao conhecimento (já que a criatura que escreveu a pérola estava usando a Internet). Estabelecendo um forte vínculo emocional com os dogmas, o fanático não tem qualquer obrigação de ser coerente, sensato ou racional em suas atitudes, menosprezando, frequentemente com violência, qualquer visão de mundo diferente da sua.

Tenho convicção de que o teor presente no comentário anônimo é um fenômeno cada vez mais presente na sociedade brasileira e suspeito que isso pode se transformar em um problema de proporções gigantescas no futuro (para maiores informações sobre este tema, vide os posts "Evangelização" e "Segunda Idade das Trevas" com os seus devidos comentários). Quando a fé religiosa começa a se tornar mais importante do que a razão e a inibição de atitudes como a do dito comentário torna-se difícil por envolver um "assunto intocável" (lembram-se do dito popular: "política, futebol e religião não se discutem"?) o resultado é sempre a decadência dos valores humanos mais preciosos. Não deixemos que coisas como essa passem em branco...

Abs:
Marcio

Um comentário:

  1. Estimado Márcio, vou aguardar seu próximo post "Glória ao Senhor, minha única droga!" para comentar. Interessante o indivíduo ter usado o termo "droga", pois a relação da ação das drogas em nosso cérebro tem inúmeras semelhanças também com a ação da "fé" no mesmo. O princípio é muito semelhante. E acredito ser essa mais uma razão para que os dogmas façam tanto sucesso e sejam tão bem aceitos pela massa encefálica da massa popular. No aguardo...

    Roni Adame

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