sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Preguiça de Ler?

Há um pouco mais de 4 anos atrás, quando eu ainda era professor, notei que muitos alunos tinham problemas em escrever textos em Inglês não por conta das dificuldades com a língua recém-aprendida e sim por causa da incapacidade de elaborar redações em Português mesmo. Ou seja, percebi que havia grandes dificuldades em colocar idéias no papel, desenvolver textos com começo, meio e fim, bem como concatenar idéias e extrair sentido de textos em geral, mesmo em Português. Alguns argumentavam que tinham “preguiça de ler”, escondendo na verdade um problema muito mais complexo, o qual era fácil de ser diagnosticado através do devido acompanhamento. Por conta disso tudo, acabei entrando em contato pela primeira vez com o tema “analfabetismo funcional” através do diálogo com outros professores que notaram este mesmo tipo de problema no seu trabalho diário. Mas vamos à definição do termo:


Analfabetismo funcional é a situação na qual um indivíduo, mesmo com a capacidade de ler, escrever e lidar com números, não desenvolve a habilidade de interpretação de textos e de fazer operações matemáticas. Isto é, o analfabeto funcional não consegue extrair o sentido das palavras em uma leitura, colocar idéias no papel por meio da escrita, nem fazer operações matemáticas mais elaboradas, ainda que tenha diploma superior.


Segundo pesquisas do Instituto Paulo Montenegro, que realiza o Indicador de Analfabetismo Funcional (INAF), apenas 26% dos brasileiros entre 15 e 69 anos são plenamente alfabetizados. Assim, de cada 4 pessoas, 3 não sabem ler direito. São mais de 80 milhões de jovens e adultos com dificuldades para desenvolver-se no trabalho ou socialmente porque são incapazes de interpretar textos, relacionar idéias e escrever fluentemente. É assustador observar que, em pleno século XXI, a falta de aptidão na leitura e escrita ainda adia as possibilidades de desenvolvimento em nosso país.


Diante da perplexidade dos números acima, e conforme adiantei no post “Blog Reformado”, acabei por achar no site oficial da FAPESP um texto para deixar todo mundo de cabelo em pé: o desenvolvimento de 2 softwares para simplificar a linguagem de textos que estão diponíveis na Internet ou na construção de textos novos para pessoas com deficiência em leitura. Em outras palavras: softwares que traduzem Português para Português (pasmém!). Ou seja, ao invés de investirmos pesadamente na educação básica do nosso país, estamos nivelando tudo por baixo, criando softwares que objetivam simplificar os textos para que facilitem a leitura daqueles que foram educados de forma inadequada (os quais as pesquisas identificam como 3 em cada 4 pessoas que passaram pela escola!).


Mas a qualidade na educação não é uma opção a ser considerada no Brasil. Guiado pela estupidez, vemos que o Estado optou pela quantidade em total detrimento da qualidade. E o resultado disso é a grande quantidade de analfabetos funcionais com nível superior. Na visão míope do governo, é preferível ver um cidadão com um diploma na mão do que saber se ele aprendeu tudo o que deveria ser aprendido ou pior ainda: saber se ele foi realmente educado.


O Brasil tem que se esforçar para alfabetizar com qualidade. Não é aumentando para 9 anos o Ensino Fundamental que a qualidade do ensino irá evoluir. Também não é ampliando o horário escolar que teremos o problema resolvido. Se os alunos não forem submetidos à iniciação científica, incentivados à leitura, envolvidos em atividades que fomentem a inteligência, o pensamento lógico, a curiosidade intelectual, a capacidade de indagação e a aptidão para relacionar temas diferentes, qualquer outra iniciativa do governo para melhorar a educação será em vão. Além disso, não devemos nos esquecer dos professores. Acentuada melhoria dos cursos de formação de docentes, remuneração plenamente compatível, capacitação continuada, etc. É um processo caro e trabalhoso, é verdade, mas investir na qualidade da educação é o melhor investimento que uma sociedade pode fazer para garantir o seu futuro.

Deixo aqui então uma mensagem para aqueles que tem a famosa “preguiça de ler”. Além do alerta para tal justificativa poder mascarar um outro tipo de problema, fica aqui o registro de que a leitura exige prática e continuidade como qualquer outro tipo de condicionamento físico. Caso seja constatado que é preguiça mesmo, vale lembrar que uma sociedade que não lê é uma sociedade mal-educada, sendo tal desinteresse de nossa parte uma contribuição para seu futuro fracasso.

Abs,

Marcio