quinta-feira, 30 de julho de 2009

Atentado à Razão (parte 2)

Qual é volume de ignorância possível em uma única frase? Se estranharam a natureza da pergunta, vou tentar de novo: Até que ponto nós somos capazes de incutir em apenas uma única frase o maior volume possível de ignorância? Ainda muito obtuso? Segue então uma frase que usaram no Windows Live Messenger no dia de hoje, a qual é uma fortíssima candidata à campeã em “volume de ignorância”:

“ONDE DEUS PÕE PONTO FINAL, NÃO TENTE COLOCAR INTERROGAÇÃO.“

As frases do Messenger são um capítulo a parte. Acho que todo mundo tem uma boa estória para contar a respeito delas, constituindo um tema relativamente "batido". Todavia, não consegui ficar quieto diante da frase acima. Na mesma linha do post “Atentado à Razão” do mês de Abril, eis uma frase que é um grande insulto a nossa capacidade de pensar. Vamos aos questionamentos:

Em primeiro lugar, precisaríamos definir o que seria Deus, como tal conceito poderia interagir conosco (se é que interage) e se existiria, sobretudo, um Deus afinal. Nem entrarei aqui no mérito desta longa discussão. Quem quiser ter apenas um humilde preâmbulo sobre uma especulação ainda muito superficial do que seria (ou do que não seria) uma concepção de Deus um pouco mais sensata pode ler os posts “Deus é Gente”, parte 1 e parte 2.

Em segundo lugar, como podemos saber o que seria um “ponto final”? Quem está dizendo que um evento, episódio, assunto ou discussão estão finalizados? Quem está dizendo que algo está definitivamente encerrado? Deus? Seria Ele mesmo? Como podemos afirmar algo assim? O que nos dá essa certeza? Quais são os elementos necessários para fornecer uma boa base para concluirmos isso? Onde estão as evidências a respeito disso? Alguém está em comunicação direta com Ele? Como podemos deixar algo que, em teoria, seria muito importante para todos nas mão de apenas alguns, os quais passam-se por “intermediários oficialmente capacitados”? Somos loucos em acreditar que existem motivos para alguém estar em mais condições do que nós para ser um intermediário entre nós e Ele (partindo-se do princípio que o “Ele” aqui relamente existe)? Bom, de louco o mundo está cada vez mais cheio...

Em terceiro lugar, porque não devemos colocar uma “interrogação”? Qual o problema de perguntar, arguir, questionar, levantar dúvidas, rever, checar as evidências? Se algo é real, concreto, palpável e muito bem fundamentado, não há pergunta, dúvida ou questionamento que sejam capazes de destruí-lo. Então, por quê o questionamento é encarado como uma ameaça? Por quê seria perigoso questionar? Porque o questionamento é a porta de entrada para o conhecimento e isso é o que Cristianismo mais teme. É isso mesmo: Pensar faz mal. Pensar gera dúvidas... Páre de pensar! Isso não é bom para você... Deixe isso para outras pessoas, as quais estão muito mais capacitadas. Você, sendo um “reles mortal”, não está em condições de perguntar ou questionar absolutamente nada... Em que pese aqui o alto teor de ironia, é bem isso o que a frase acima resume com bastante maestria.

O conhecimento é o maior inimigo do Cristianismo. Se você quiser ser feliz com Ele, é só evitar ao máximo o raciocínio, abrir mão da sua capacidade de pensar, aceitar tudo aquilo que está escrito nas sagradas escrituras, deixar que as autoridades oficialmente estabelecidas definam as coisas dentro e fora da Bíblia por você, reagir emocionalmente quando alguém revela um ponto de vista diferente do seu, evitar a todo custo qualquer tipo de contato com a História do Cristianismo e, principalmente, fazer a sua parte disseminando esse modelo de comportamento através da Internet. Seja você também um cristão feliz! A minha parte eu já estou fazendo...

Abs:

Marcio

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Mensagens na Lua

Ainda no rastro da comemoração dos 40 anos da chegada do homem à Lua, não é possível deixar de comentar a famosa frase: "Um pequeno passo para um homem, mas um grande salto para a humanidade". Mencionada por Neil Armstrong ao pisar em território lunar, o comentário histórico foi simples e emblemático, retratando muito bem o que a conquista representou. E para consolidar esse grande momento, o que muitos não sabem é que foi presa na escada do módulo lunar Eagle (Lunar Eagle Module ou simplesmente LEM) uma placa comemorativa com os seguintes dizeres: "Here men from the planet Earth first set foot upon the Moon. July 1969, A. D. We came in peace for all mankind" (Aqui os homens do planeta Terra pisaram pela primeira vez sobre a Lua. Julho de 1969, depois de Cristo. Viemos em paz em nome de toda a humanidade). Abaixo do texto foram anexadas as assinaturas dos 3 astronautas, juntamente com a assinatura do então presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon.

O hábito de fixar placas comemorativas é uma tradição muito comum em nosso mundo e, como era de se esperar, nada mais natural do que estender essa prática à Lua. Porém, analisando com bastante cuidado a última frase do texto, poderemos perceber o seguinte: com que intuito foi colocada a sentença "Viemos em paz em nome de toda a humanidade", se oficialmente não existe ninguém lá fora para poder ler a tal da placa? Uma homenagem a um momento importante da nossa história é uma atitude compreensível e bastante aceitável, mas que diabos faz uma placa de metal em território lunar com um pequeno texto cujo sentido insinua uma tentativa de comunicação com uma criatura provida de um elevado grau de inteligência? Afinal de contas, a frase diz "...em nome de toda a humanidade", ficando claro, desta forma, que o texto é dirigido a alguém que não faz parte da raça humana, já que a mesma está ali representada pela placa de metal. Poderia ser feito uma placa comemorativa com o intuito puro e simples de inflar o nosso ego a respeito da grandiosidade do evento, sem qualquer espécie de saudação, por mais ingênua que possa parecer, a alguma espécie de espectador que parece estar além dos limites do planeta Terra.

Mas isso não é tudo. Em um dos pés do módulo lunar foi deixado um pequeno disco de silicone especialmente preparado para resistir às altas mudanças de temperatura na superfície da Lua dentro de uma capsula de alumínio. A pequena peça do tamanho de uma moeda de 50 centavos possui gravada em sua superfície externa a seguinte frase: "From Planet Earth, July 1969" (Do Planeta Terra, Julho de 1969 - Aqui, mais uma vez, a frase "Do Planeta Terra" só faz sentido se existe uma expectativa de encontrar alguém além dos limites do nosso planeta que seja capaz de ler um texto). No interior do disco, existe uma gravação de mensagens de 73 chefes de Estado e quatro documentos que compreendem as listas dos membros das comissões senatoriais e parlamentares, um trecho da Lei Nacional dos Estados Unidos sobre aeronáutica e astronáutica assinada pelo presidente Einsenhower em 1958, e algumas citações dos presidentes Kennedy, Johnson e Nixon. O disco com as mensagens foi fabricado pela divisão de semi-condutores da Sprague Electric Company, e foi apelidada com o nome Rosetta Stone (Pedra de Roseta) pela própria empresa em uma nota de divulgação para a imprensa no dia 14 de Julho de 1969. A Pedra de Roseta, para quem não sabe, é um bloco de basalto encontrado pelos soldados de Napoleão no ano de 1799, durante a expedição ao Egito. Sobre a pedra há um mesmo texto em escrita hieroglífica, demótica e grega. Por quê a empresa batizou o pequeno disco destinado a permanecer sobre a superfície da Lua com um nome tão sugestivo? E talvez o mais importante: qual a utilidade desse volume de mensagens em um território que, teoricamente, não pode ser visitado por mais ninguém além dos próprios astronautas? Todo astronauta que se preze sabe muito bem a respeito da existência desse disco de silicone, o qual só pode ser lido com o auxílio de um microscópio. Por quê então a necessidade de deixar essas mensagens sobre a superfície lunar? Teria o vôo da Apolo XI outros objetivos além daqueles que nós já conhecemos? O governo norte-americano bem como a NASA saberiam de coisas altamente sigilosas que nós sequer desconfiamos?

Teorias conspiratórias, boas doses de Arquivo X e altas dosagens de Ufologia tendenciosa podem estragar o gosto da nossa já amarga "salada mental", forçando muito uma resposta positiva para a pergunta acima. De qualquer maneira, é sempre bom manter uma pequena pitada de dúvida para mantermos fresca a nossa capacidade de questionar. Ainda que ninguém tenha assumido, é óbvio que muita gente quis deixar um sinal lá na Lua para seres de outros planetas, mesmo sob o risco de demorar uma eternidade para um evento como esse acontecer. O resto da estória, fica por conta da imaginação de cada um...

Abs:
Marcio

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Uma Simples Questão de Fé

Na semana de comemoração dos 40 anos da chegada do homem à Lua (veja o excelente site comemorativo), é interessante observar as reações das pessoas. Muita gente ainda questiona a importância desse feito. Primeiramente, já é chavão o argumento de que seria muito mais útil gastar o dinheiro investido em missões espaciais no combate à fome na África. Tal justificativa, embora bem intencionada, é bastante simplista e limitada. Por exemplo: entre transferir recursos de uma missão espacial e os recursos da indústria bélica para um projeto cujo objetivo seja acabar com a fome, eu sou muito mais a favor da segunda opção. Além disso, acabar com a fome não resolve o problema das regiões castigadas pela extrema pobreza. Seria necessário ir muito mais além, fomentando a educação, controlando rigorosamente a natalidade, gerando emprego e moradia, tudo de acordo com as boas práticas de desenvolvimento sustentável. Por outro lado, a exploração científica nunca é uma iniciativa inútil e, se formos buscar as informações sobre os benefícios resultantes do avanço da tecnologia aeroespacial bem como das investigações científicas envolvidas, tanto na Terra quanto no espaço, vamos achar muitas aplicações na melhoria das condições humanas (confira alguns destes benefícios no site da Nasa). Ou seja, é preciso haver desenvolvimento tecnológico para gerar desenvolvimento econômico. E sem desenvolvimento econômico, não há como combater a fome bem como outros problemas sociais.

E sob o ponto de vista do espírito humano, nós nascemos para ser exploradores. Foi a curiosidade e o espírito da descoberta que fizeram o homem se aventurar pelos mares em busca de novos continentes. Hoje, nos encontramos na América do Sul graças ao advento das grandes explorações marítimas. Infelizmente, existe a fome física sim mas também existe a fome do espírito, da alma humana em busca de respostas e melhores condições de vida, e esta nunca poderá ser estrangulada, sob o risco de deixarmos de ser simplesmente humanos. Aos opositores de plantão, me desculpem: ciência e exploração espacial são questões fundamentais em nossa vida.

Mas apesar disso tudo, no final, parece que a chegada do homem à Lua acaba sendo reduzida à uma simples questão de fé: acreditar ou não. Em outras palavras, a chegada do homem à Lua acaba entrando para o hall dos anjos, fadas, elfos, gnomos, fantasmas, etc. E é justamente aqui que encontramos um ponto muito interessante. A falta de conhecimento faz o ser humano ter uma postura de fé frente às coisas que nunca deveriam ser encaradas desta forma. Por exemplo: ninguém sai por aí dizendo que acredita no automóvel. Sabemos que o automóvel existe, utilizamos o automóvel todos os dias, ou seja, é um engenho humano inquestionável, sobre o qual qualquer questionamento só poderia ser encarado como loucura. Agora, pegue o mesmo exemplo e tente aplicá-lo à uma tribo no meio da selva amazônica que nunca teve contato com a civilização. Tente convencer os indígenas de que existe uma máquina com 4 rodas capaz de transportar as pessoas de um lado para outro sem ter a opção de mostrar o automóvel para eles. Fácil convencer, não é?

Da mesma forma, muitas pessoas ainda se comportam como "indígenas que nunca tiveram contato com a civilização", alegando que o homem nunca poderia ter chegado à Lua por conta das mais estranhas justificativas. Coisas do tipo: "isso não está escrito na Bíblia", "o homem não pode brincar de ser Deus", "a Lua não tem porta" e por aí vai (vide a matéria "Brasileiros não acreditam, 40 anos depois, que o homem foi à Lua" do site G1). E o pior é que o ceticismo extremo não é apenas o subproduto de gente que não teve acesso à educação. Tem muita gente articulada, com pleno acesso à informação que continua a negar veementemente o grande feito (levanta-se aqui, todavia, a dúvida sobre a qualidade da educação envolvida), utilizando teorias de conspiração baseadas em alegações de que tanto as fotos como os filmes divulgados foram falsificados. Bom, não entrarei aqui no mérito da discussão sobre a autenticidade da conquista. Existe informação de sobra que comprova o incrível feito em sites de confiança na Internet e até em programas de TV a cabo como o MythBusters da Discovery Channel, dedicando um episódio inteiro à elucidação de todas essas teorias opositoras sem fundamento. Aqueles que quiserem pesquisar, divirtam-se...

Voltando ao foco do tema que eu quero desenvolver, é interessante notar que em ambos os casos (teorias simplistas ou elaboradas) a falta de conhecimento acaba gerando uma perspectiva de fé. Deveríamos encarar a chegada do homem à Lua como o exemplo do automóvel que eu citei anteriormente mas, ao contrário, achamos que o evento nunca existiu baseados simplesmente nas crenças. A crenca de que foi uma fraude, crença em teorias de conspiração, crença na Bíblia, crença na desconfiança, crença, crença e mais crença (para outros tipos de crença que também se encaixam na concepção geral deste post, sugiro a leitura dos tópicos "Atentado à Razão", "Segunda Idade das Trevas" "Fanatismo", "Liberdade!?!?!", "Evangelização" e "Deus é Gente", partes 1 e 2). O mais paradoxal é que a crença é capaz de negar até mesmo as evidências mais contundentes. Neste ponto, não interessa mais saber a verdade. A pessoa apega-se tão profundamente às suas próprias idéias que é incapaz de reconhecer que sua visão está furada, mesmo na frente da evidência mais palpável cujo significado derruba suas premissas mais arraigadas. Ela prefere se enganar ao invés de reconhecer o seu equívoco. Infelizmente, tal exemplo não se limita apenas ao caso da chegada do homem à Lua, mas expande-se também para todos os setores da nossa vida. Questões complexas como vida, morte, razão do universo, do mundo e do homem existirem, probabilidade de haver vida extraterreste, seja ela inteligente ou não, estão todas muito comprometidas pela intervenção de nossas crenças. Neste sentido, infelizmente, estamos muito longe de descobrir a verdade.

Desta maneira, vemos que o volume de crenças e supertições é inversamente proporcional à falta de conhecimento. A falta de conhecimento abre espaço para a proliferação das crenças, sejam elas religiosas, folclóricas, esotéricas, etc. Num mundo cada vez mais religioso, é fácil concluir que a educação constitui um sistema falido em nossa sociedade. Onde quer que tenha falhado a nossa educação, seja no seio familiar, nas escolas, no trabalho ou universidades, entrou a crença no lugar de uma forma muito fácil e forte para preencher a cratera da nossa abissal ignorância. E a Internet, como reflexo do mundo real, apenas replica o problema existente na forma de comunidades, grupos, movimentos, linhas de pensamento, seitas e religiões cada vez mais específicas. Perde-se assim a noção de convívio em sociedade, pluraridade e diversidade de idéias para fortalecer cada vez mais o individualismo, a especificidade e o sectarismo.

Por fim, depoimentos como o do servidor público José Ribamar Ribeiro, o qual justifica a suposta "fraude da NASA" na matéria do G1 (com a alegação: "Por que o homem nunca foi ao Sol?”) de forma tão simplória, vão continuar a acontecer por um bom tempo. Só espero que possamos ser muito mais humildes, reconhecer nossa ignorância e repudiar a imposição da crença como forma imediatista de cobrir nossos buracos interiores. Somente assim seremos realmente livres para caminhar paulatinamente em direção à verdade presente em todas as coisas.

Abs:

Marcio

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Brasil: Futuro País Teocrático?

Mais uma bomba do site de notícias G1: "Lei obrigará deputados da Paraíba a 'refletir' sobre a Bíblia antes das sessões". Agora sim! Nossos políticos finalmente tomarão vergonha na cara!

O deputado Nivaldo Manoel (PPS) acredita que “a palavra de Deus ajudará a melhorar os ânimos” dos colegas da Assembléia Legislativa da Paraíba para enfrentar os problemas no plenário. O deputado calcula que serão usados sete minutos de cada sessão para leitura e reflexão sobre a Bíblia - feitos por ele mesmo - assim que o projeto, aprovado por unanimidade, for publicado no “Diário Oficial” da Casa. Neste tempo, afirma, os deputados “permanecerão da forma que eles quiserem”, mas pedirá silêncio. Segue ainda dizendo: “Sou evangélico de uma igreja como a Assembleia de Deus, muito rígida, de mais titularidade à obediência da Bíblia. [...] Tenho essa vantagem e a coragem de fazer isso. E vou fazer em nome de Jesus essa reflexão pregando a palavra sem nenhum constrangimento, como se estivesse no púlpito de uma igreja”, afirma o deputado, que disse não ser pastor. Como se não bastasse a cegueira e fanatismo local, o deputado acredita que a reflexão poderia ser adotada também no Senado Federal, como forma de melhorar “a atitude dos parlamentares”.

Muito humilde, relevante e sensata a iniciativa do nobre candidato! Que postura mais prepotente, partindo-se do princípio de que sua visão deve ser aplicada a todos os seus colegas, sem o menor vestígio de suspeita de que seu paradigma é extremamente limitado e totalmente inútil no contexto do seu trabalho. É esse tipo de postura que nós queremos ver disseminada nas esferas públicas das instituições do nosso país? O que está realmente acontecendo?


Infelizmente, a cada nova notícia, são confirmadas aqui as minhas suspeitas ao longo dos meus posts de que estamos caminhando para uma Segunda Idade das Trevas. Um mundo muito mais religioso e, portanto, menos racional está surgindo com consequências imprevisíveis para a raça humana. Posts como "Segunda Idade das Trevas", "Atentado à Razão", "Liberdade!?!?!" e "Evangelização" resvalam, de uma forma ou de outra, nesta triste previsão e, embora eu tenha concentrado minhas críticas sobre as pistas desta tendência no Brasil, sabemos que trata-se de um fenômeno internacional.

Os domínios políticos do nosso país já se encontram abarrotados por representantes de instituições religiosas, na esmagadora maioria de natureza cristã, fazendo o seu nada religioso lobby com o intuito de aumentar o nível de poder de suas Igrejas. Mas isso ainda parece ser pouco para essas pessoas. Parece não haver limites para o ridículo nem tampouco bom senso para elas, com propostas absurdas como a que vimos acima que estão longe de trazer alguma contribuição real para os interesses da nossa sociedade. E ninguém faz absolutamente nada para deter a escalada do cristianismo pelos meandros das instituições públicas deste país. Pelo fato do tema envolver “religião”, concepção sobre a qual fomos treinados desde a mais tenra idade a “respeitar” por ser “algo sagrado”, os não-crentes acabam sendo coniventes com o crescente poder do cristianismo sobre o estado. Esse maldito "receio de dizer não" à influência religiosa é fruto de uma lavagem cerebral muito bem articulada desde nossa infância, e o Brasil, cada vez mais, vai perdendo suas características de país laico. Sinais disto podem ser observados na introdução do ensino religioso de forma tendenciosa e prática nas escolas públicas, nas autoriddes religiosas aparecendo cada vez mais em eventos públicos e na mídia de massa, nas orações coletivas em partidas de futebol televisionadas, no crescente debate sobre a censura da Internet nos períodos de eleição e, a esta altura, não é difícil uma lei absurda como a que vimos acima chegar a ser aprovada na esfera do Senado Federal, com consequências assombrosas nas tomadas de decisão mais importantes para a nossa sociedade.

Um estado religioso é por definição um estado tendencioso e irracional. O Regime Teocrático é um sistema de governo no qual a máxima autoridade política é exercida por pessoas que se consideram representantes de Deus na Terra. Nas Teocracias, o governante tem ao mesmo tempo o poder político e religioso e, pelo fato de se achar legítimo representante da vontade de Deus (sendo isso, obviamente, uma premissa monstruosamente questionável por razões que eu nem citarei aqui por falta de espaço) o país sob tal comando fica a mercê da total arbitrariedade religiosa de um pessoa ou de um grupo restrito de pessoas. Mas isso está longe de acontecer aqui no Brasil, certo? Essa é justamente a minha esperança pois, deixar de ser um país laico (condição oficialmente respaldada pela constituição) para, mesmo que muito improvavelmente, virar um Estado Teocrático só vai agravar muito a nossa já difícil situação.

Sei que muitos irão dizer que estou sendo demasiadamente exagerado em meus alertas e espero honestamente que eu esteja redondamente enganado. Mas não posso deixar de ser uma voz de alerta, mesmo correndo o risco de ser exagerado e repetitivo, naquilo que parece ser uma multidão silenciosa de conivência ou talvez até covardia perante os avanços da religiosidade em todas as esferas da nossa sociedade. A crescente necessidade de manifestação pública, o ímpeto de se levantar uma bandeira, a escalada da evangelização via mídia de massa, a proliferação de Igrejas com públicos-alvo bem definidos e agora a "exportação de Igrejas" para outros países (vide o caso surreal da esposa do Kaká no
site de notícias do BOL) são sinais de um avanço cada vez mais ousado, meticuloso e perigosamente ambicioso do cristianismo em suas mais diferentes formas.

Abs:
Marcio

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Retrocesso de 50

50 é o número do lamento, da indignação e da vergonha. Tenho vergonha de ser gente e cúmplice desse quadro tão absurdo causado por você leitor, eu e todos os outros seres humanos.

Saiu no site de notícias G1: "Mudança do clima trará retrocesso de 50 anos para países pobres". O artigo diz que os ganhos obtidos pelos países mais pobres nos últimos 50 anos podem ser perdidos totalmente e de forma irreparável devido às mudanças climáticas. Segundo o artigo, o maior impacto será o aumento da fome. Com as alterações sofridas na zona tropical, plantações de culturas-chave na alimentação humana, especialmente milho e arroz, estarão em risco.

Essa é uma catástrofe anunciada. Eu tenho acompanhado o alerta de ecologistas, cientistas, ONGs e institutos de pesquisa sobre os perigos do modelo de vida predatório que levamos desde o final da década de 1980 e, 20 anos depois, o que podemos dizer que foi feito a respeito? Absolutamente nada! Incrível, triste e muito desanimador...

Eu já estava prestes a comentar o retrocesso envolvendo nosso ignorante presidente Lula (e olhem que já fui petista!), o qual sancionou a medida provisória 485, quando a notícia de ontem sobre o retrocesso de 50 anos apareceu para acrescentar mais paroxismo à minha já inchada indignação. Mas não posso deixar de comentar o quanto que o nosso irresponsável e inconsequente presidente está na contramão da história ao sancionar a inacreditável lei. Numa época em que prega-se tanto a importância da sustentabilidade nos setores corporativos, em um período em que somos testemunhas dos esforços do mundo inteiro, inclusive de Barack Obama para adotar políticas de redução do impacto ambiental, vemos nosso "querido" presidente sancionando uma lei a favor do desmatamento na Amazônia. Segue o artigo sobre o assunto publicado pelo Greenpeace:

"O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou na terça-feira a MP 422/08, conhecida como MP da Grilagem, que amplia de 500 para 1.500 hectares o limite de áreas invadidas na zona rural da Amazônia Legal que podem ser legalizadas pelo governo sem exigências, como uma licitação, por exemplo. Ao converter a medida em lei, Lula vetou o artigo que condicionava a regularização das propriedades ao zoneamento ecológico-econômico (ZEE) dos estados. Colocando regras para a ocupação do território, o zoneamento determina quais áreas devem ser preservadas e quais podem ser destinadas a atividades econômicas mais intensas, como agricultura ou pecuária.

"O governo age de forma esquizofrênica. Cinco dias depois de lançar um ambicioso fundo para captar recursos para a proteção da Amazônia, o presidente Lula recua e dá um passo atrás em direção à destruição", disse Paulo Adario, diretor da campanha da Amazônia, do Greenpeace. "Além de aprovar a grilagem na maior floresta tropical do planeta, Lula vetou a única exigência que poderia qualificar o processo de ocupação dessas áreas na região. Assim, o governo está dando uma péssima sinalização aos potenciais doadores interessados em ajudar o Brasil a proteger a Amazônia."

Segundo Adario, essa benção irrestrita ao PAG, o Plano de Aceleração da Grilagem, só vem confirmar os temores de que o governo optou pelo pragmatismo eleitoreiro, em vez de ampliar os investimentos em atividades que ajudem a manter a floresta em pé e fortalecer as instituições encarregadas de zelar pelo patrimônio ambiental dos brasileiros, como Ibama e Polícia Federal" (fonte:site do Greenpeace).

Mas voltando à questão do pequeno retrocesso de 50 anos, estamos falando de graves danos aos países pobres, certo? Então, que se danem! Danem-se os outros, afinal, não tenho tempo para lamentar e muito menos culpa nessa estória. Sou um exemplo de ser humano! Faço tudo certo! Então, não me interessa essa notícia. Vou viver minha vida da forma como todo mundo vive. Vou mudar minhas atitudes enquanto todo mundo continua no conforto, depredando a natureza? Nem a pau! Vou é garantir o meu! Quem vier depois de mim que se vire para lidar com as mudanças climáticas! Não tô nem aí com o mundo... Quero que se danem todos!


Perdoem-me pelo alto teor de ironia mas, lá no fundo, é exatamente isso o que acontece. Deixar de jogar papelzinho ou lixo pesado na rua? Gastar menos tempo no chuveiro? Trocar a borrachinha da torneira que está vazando? Trocar minhas lâmpadas incandescentes por lâmpadas fluorescentes? Deixar de imprimir tudo quanto é tranqueira que eu faço no computador? Comprar um carro mais econômico? Denunciar os desmatamentos que meu vizinho provocou? Comprar madeira licenciada pelo IBAMA? Deixar de matar aquele "bicho horrendo" que apareceu dentro da minha barraca no camping? Deixar de lavar a minha calçada? Votar em um político que prioriza a proteção ambiental? Ter mais interesse por assuntos envolvendo ecologia, sustentabilidade, aquecimento global e sistemas alternativos de energia? Sinto muito... É muito sacrifício e eu ainda nem faço nada de errado... Vou cuidar é da minha vida! Tenho mais o que fazer... E o mundo, enquanto isso, continua sua jornada a passos largos em direção à sua própria destruição.


E o tipo de comentário continuista que se segue ainda é muito passível de acontecer: "Mas Deus nunca deixaria isso acontecer com a gente, certo?" Nãããoooo... errado!!! Muito errado! Fazendo uso de uma analogia, é como se estivéssemos em um navio que está afundando e os passageiros começassem a rezar, acreditando que Deus se encarregará de salvar nossas almas ao invés de fazermos algo de concreto para salvar nossas vidas.


Logo, se não mudarmos agora o nosso comportamento altamente consumista, imediatista e individualista, o impacto do aquecimento global baterá muito em breve em nossa porta, fruto de um efeito dominó, não interessa se somos ateus ou crentes, pobres ou ricos, gregos ou troianos. Todos nós, sem exceção, retroalimentamos o estilo de vida continuista que acabará nos matando! O perigo está muito longe de ser uma novidade e, por mais paradoxal que isso possa parecer, continuamos em rota de colisão contra nossa própria existência...

Então, eu só posso propor um brinde:

Viva o retrocesso de 50! Somos todos um bando de primatas suicidas!

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Deus é Gente (parte 2)


Dando sequência ao tema do post "Deus é Gente", eu proponho um exercício mental, uma especulação com o intuito de salientar as falhas presentes no texto cristão do referido post, partindo-se da premissa de que Deus realmente existe. Vamos lá então...

A concepção de um Deus personificado (a idealização de um Deus à nossa imagem e semelhança), pode levar-nos ao encontro de muitas armadilhas típicas do contexto da tradição religiosa. Para começar, é extremamente comum a associação de Deus com o conceito de bem e sua oposição na forma personificada do diabo com o conceito de mal. Mas a análise um pouco mais detalhada desta visão maniqueísta pode revelar- nos certas concepções falhas e desprovidas de um embasamento mais profundo. Para as filosofias orientais em geral, por exemplo, o bem é considerado como o equilíbrio entre forças opostas ao passo que o mal é comumente encarado como desequlíbrio entre os extremos, tal qual é observado na relação entre os opostos presente na filosofia taoista. Assim, começamos a ver que interpretar os mecanismos da vida através da eterna luta entre bem e mal é uma atitude bastante simplista.

Se considerarmos a idéia de que Lúcifer foi um anjo caído que se rebelou contra Deus, constituindo a partir daí a síntese de todo o mal somos obrigados a aceitar que o Criador desconhecia por completo as intenções de sua obra, sendo portanto limitado e falho. Neste caso, Deus seria ignorante e alienado pois desconheceria a sequência de atitudes tomadas pela sua criação insubordinada, demonstrando a evidente fraqueza da força criadora além de um débil poder de planejamento e previsão. Por conseguinte, Deus não poderia ser onipotente, onipresente e onisciente, sendo apenas uma divindade irresponsável num eterno processo de tentativa e erro para poder aprender através da observação da imperfeição de sua própria obra. Dentro desta abordagem, Deus atuaria sobre a criação efetuando “remendos” à medida que fosse verificando as falhas cometidas no desenrolar da vida prática. Contudo, se pensarmos que Deus é realmente onipotente, onipresente e onisciente, tal poder deve necessariamente englobar tudo o que existe, sendo ao mesmo tempo a síntese do bem e do mal. Acreditar no mal como sendo uma fatalidade cósmica apartada do próprio Criador constitui uma mentalidade ingênua e parcial, uma vez que desconsidera automaticamente que Deus seria a origem de absolutamente tudo. Bem e mal deveriam representar necessariamente os dois lados de uma mesma moeda, sendo inútil perpetuar o conflito entre as aparentes oposições.

Mas se fizermos um pequeno esforço, logo veremos que pensar na vida em termos de bem e mal continua a ser uma atitude simplista, mesmo no caso de considerarmos tal dicotomia como eventos oriundos de uma mesma força criadora. Seria mais sensato especular sobre a existência de uma ignorância absoluta e de uma sabedoria absoluta em uma escala evolutiva hipotética. A concepção de mal seria então substituída pela idéia de ignorância, ao passo que o bem seria substituído pela idéia de sabedoria. Deste modo, ainda teríamos uma relação entre opostos mas de uma forma muito mais realista pois passaríamos a encarar nossa caminhada como um processo de evolução e aprendizado constantes, ao longo do qual o ponto de partida seria a ignorância absoluta, o ponto de chegada seria a sabedoria absoluta e entre os dois extremos haveria uma infinidade de diferentes níveis tão amplos quanto o próprio universo. A ignorância estaria relacionada com o básico, o rudimentar, o primitivo (aqui, na acepção mais negativa da palavra), ou seja, a ação e/ou reação simplista, egoísta, limitada, alienada e destrutiva frente à vida. A sabedoria, por sua vez, estaria relacionada com o aprendizado, o conhecimento e a complexidade, constituindo a ação e/ou reação de caráter consciente, altruísta, construtiva e abrangente frente à vida. Em termos evolutivos, portanto, ficaria fácil notar que a ignorância levaria à rigidez e à extinção, ao passo que a sabedoria levaria à adaptação e à continuidade. Por este princípio, portanto, não seria possível ser sábio sem ter sido previamente ignorante, caminho este em que todos nós nos encontramos ainda muito mais próximos do início (ignorância) do que do fim (sabedoria), haja visto a humilde e honesta análise do nosso momento enquanto sociedade.

A inflexibilidade como sinal de ignorância permanece escondida em nossas atitudes diárias tais quais a falsa idéia de fraqueza ao reconhecermos nossos próprios erros, a falta de arrependimento em relação às coisas efetuadas no passado e a perspectiva orgulhosa de que uma pessoa de caráter nunca deve mudar os seus pontos de vista. Aliás, sob tais aspectos, é extremamente comum observarmos as pessoas afirmando cheias de confiança coisas do tipo: “eu sou assim mesmo e não vou mudar” ou “quem quiser, que me aceite do jeito que eu sou” e assim por diante. Pois bem, infelizmente tais afirmações são apenas uma desculpa para um comportamento que no fundo as pessoas sabem não ser o mais adequado. Na falta de argumentos realistas a saída mais fácil é dizer “eu sou assim mesmo” e continuar a fazer as coisas do mesmo modo sem qualquer preocupação com a revisão das nossas próprias atitudes. Um comportamento deste tipo é ausente de qualquer senso de responsabilidade e remete-se sempre a uma crença de que a vida não pode ser mudada por diferentes motivos. Além de ser mais cômodo pensar dessa forma, tal comportamento pode estar sendo influenciado por uma crença filosófica ou mesmo religiosa que desconsidera a visão da vida em termos de aprendizagem, mudança e evolução. Tais constatações, dentre infinitas outras, revelam que estamos muito mais próximos da ignorância do que da sabedoria, já que geralmente não estamos interessados em estabelecer uma visão ampla e crítica a respeito de nós mesmos. Por consequência, a falta de revisão de nossos pensamentos e atitudes eliminam a nossa possibilidade de adaptação ao meio, ou seja, a mudança com o intuito de darmos continuidade às nossas vidas pelos nossos próprios meios e não uma desejável mudança instaurada pela misericórdia dos deuses. De qualquer maneira, a concepção envolvendo uma linha evolutiva hipotética entre ignorância e sabedoria absolutas dispensaria o comportamento muito cômodo de atribuir a causa de nossos erros a um poder externo, individualizado e independente de Deus (o diabo ou o mal personificado), o qual seria o total responsável pelas mazelas do mundo. Assim, veríamos que o diabo nada mais é do que o “bode- expiatório” (perdoem-me pelo trocadilho) criado pela mente humana para gerar medo e atrair os crédulos para a salvaguarda da religião, aquela instituição considerada como o único caminho válido para a redenção.

A idéia de bem e mal e a luta entre forças opostas não é uma concepção exclusiva do cânone cristão mas fica evidente que foi no seio do Cristianismo em que tais idéias acabaram ganhando maior notoriedade no mundo ocidental. Na Europa da Idade Média, por exemplo, as religiões tidas como pagãs foram violentamente perseguidas pela Santa Inquisição e como era comum na época o culto aos elementos da natureza (a fauna e a flora) por parte das religiões locais, atribuir a imagem de um bode à idéia de um ser malévolo acabou servindo aos interesses da Igreja de fazer um marketing negativo sobre tais crenças e atrair mais seguidores (vide a figura do Deus grego Pan: metade homem, metade bode). Em pouco tempo, estava consolidada a imagem de que as pessoas envolvidas com tais crenças não passavam de bruxas ou feiticeiros macomunados com Satanás e sua horda de anjos negros. A partir daí, seria progressivamente instaurada a mais bárbara perseguição com o intuito de “limpar” da face da Terra todos os hereges e ímpios perante os olhos do alto clero. E o mundo, desde então, nunca mais foi o mesmo.

A abolição da crença na reencarnação (sim, o Cristianismo primitivo aceitava essa idéia) e a subseqüente criação de um julgamento divino após a morte com o intuito de recompensar ou punir nossos atos foi uma estratégia extremamente conveniente para a Igreja, obrigando os fiéis a aceitarem o mais rápido possível a concepção de que o Cristianismo seria a única tábua de salvação sobre a Terra. Haveria então apenas uma única vida (e não inúmeras experiências de aprendizado) a ser desfrutada de forma condizente com os princípios estabelecidos pela Igreja, pois qualquer outro estilo de vida estaria em desacordo com as leis de Deus, merecendo assim os mais horrendos castigos no macabro reino de Lúcifer. E não demorou muito para a ameaça pela imposição do medo servir aos objetivos propostos, explorando os fiéis que, na maioria dos casos, davam o pouco que tinham para terem os seus lugares reservados ao lado do trono Deus. A ameaça representada pela imagem do inferno passou então a constituir uma temida punição por parte dos fiéis ao mesmo tempo em que era muito conveniente para os interesses da Igreja. Desde então, passamos a herdar a imagem de um Deus que se impõe através do medo e da ameaça, aproveitando a concepção prévia do Deus com características humanas do Velho Testamento para aperfeiçoar todo o sistema de castigos e recompensas através da implementação do Novo Testamento. De todos os sistemas opressores que herdamos do passado, a concepção personificada de Deus que muitos ainda carregam, mesmo de uma forma inconsciente, é um dos males mais difíceis de serem eliminados do pensamento humano.

Abs:
Marcio