domingo, 4 de julho de 2010

Para Quem Não Acredita

Se você é daqueles que torcem o nariz quando ouvem a palavra "extraterrestre", dá muita risada quando alguém confessa que viu um disco voador, não consegue parar de fazer piada com os "verdinhos" e acha que as missões espaciais deveriam ser interrompidas pois altas somas de dinheiro envolvidas seriam melhor aplicadas no combate à fome do mundo, este post foi escrito especialmente para você.

Até 1995, havia boas razões para os cientistas acharem que a existência de planetas fora do Sistema Solar era uma hipótese praticamente nula. Condições especialíssimas na Terra bem como a ausência de uma tecnologia capaz de detectar corpos celestes tão diminutos se comparados com suas estrelas-mãe à distâncias tão descomunais davam poucas esperanças para os cientistas. Muitos inclusive acreditavam ser tal busca uma completa perda de tempo. Mas no dia 06 de Outubro de 1995, dois astrônomos suiços acharam o primeiro planeta orbitando a estrela Pegasi 51, na constelação de Pegasus. A descoberta foi viabilizada pela técnica conhecida por Velocidade Radial, a qual baseia-se na oscilação do campo gravitacional de uma estrela pela interferência de um corpo celeste em suas proximidades (efeito wobble). Desde então, 464 planetas extrasolares foram descobertos utilzando diferentes técnicas, estas últimas incentivadas em parte pela pioneirismo da primeira descoberta. E se a consideração da existência de vida alienígena era algo apenas possível em filmes de ficção científica, hoje a busca por vida extraterrestre virou uma pesquisa científica muito séria.

Com o lançamento do telescópio espacial Kepler em Março de 2009, a NASA objetiva encontrar planetas similares à Terra, posto que os planetas extrasolares encontrados até o momento tratam-se daquilo que os astrônomos chamam de gigantes gasosos, com características similares ao planeta Júpiter. Com a capacidade de observar 150.000 estrelas simultaneamente a cada 30 minutos utilizando a técnica de trânsito (a qual consiste em observar a diminuição no brilho de uma estrela devido a passagem de um corpo celeste pela sua frente de forma periódica, configurando assim uma órbita), a razão da busca por planetas com caracteristicas similares ao nosso é a maior probabilidade de encontrarmos vida tal qual a conhecemos. Tais características incluem tamanho, composição física, atmosfera e uma posição na assim chamada "zona habitável", uma faixa de distância similar entre os planetas Vênus e Marte com a Terra bem no meio, localização que possibilitaria a existência de água em estado líquido. Com isso, a NASA objetiva saber se planetas com condições de abrigar a vida são comuns ou, muito pelo contrário, a Terra é uma total raridade. Se planetas como a Terra forem comuns, talvez a vida seja, da mesma forma, algo comum no universo. Os primeiros resultados concretos da missão, de acordo com a NASA, só aparecerão daqui há 2 anos.

Estima-se, com base na projeção da quantidade de planetas extrasolares que vem sendo descobertos nas "proximidades do Sistema Solar", que a nossa galáxia poderia conter cerca de 30 bilhões de sistemas planetários e talvez o mesmo número de planetas rochosos similares à Terra. Mas o mais sensato, obviamente, é aguardar pelos primeiros resultados da Missão Kepler antes de falarmos sobre os números envolvidos.

O contraponto dessa busca por vida alienígena baseia-se na seguinte indagação: até que ponto a vida poderia se adaptar a diferentes condições do universo? Mesmo porque, até nosso conceito de "vida" ainda é algo muito limitado, posto que só temos o planeta Terra como referência na imensidão do cosmos. Partindo desse princípio, surgiu a astrobiologia, a qual é o ramo da ciência que estuda e pesquisa como a vida poderia surgir no universo, grande parte do tempo pesquisando sobre as origens da vida aqui mesmo na Terra por questões óbvias de facilidade de acesso.

Visitando regiões inóspitas do planeta como crateras de vulcões, cavernas muito profundas, regiões polares, desertos e fossas oceânicas para descobrir como a vida pode se desenvolver em condições tão severas, os cientistas descobriram as fantásticas bactérias extremófilas, organismos que são capazes de se desenvolver em condições até então impensadas de temperatura, iluminação, pressão, salinidade, acidez, etc. Já que as condições fora da Terra são extremamente diferenciadas, foi preciso ter acesso às regiões extremas do planeta para tentarmos nos aproximar ao máximo do que seria a atmosfera de uma planeta como Marte ou Vênus ou outros corpos celestes como asteróides e cometas. Estudando como esses organismos se desenvolvem, os astrobiólgos acabam por encontrar respostas de como a vida surgiu aqui na Terra também.

Até o momento foram catalogados 17 espécies de organismos extremófilos, os quais vão desde criaturas vivendo dentro de rochas a kilômetros de profundidade da superfície até seres capazes de sobreviver à radiação nuclear. Se antes os cientistas tinham grandes dificuldades em aceitar que a vida poderia se adaptar à condições tão variadas, hoje isso está sendo radicalmente revisto e abre caminho para possibilidades mais amplas. Quem quiser conferir alguns documentários muito interessantes sobre astrobiologia, busca por planetas extrasolares ou busca por vida alienígena eu recomendo o "BBC Space: Are We Alone?", "Discovery Science: First Alien Encounter", "The Universe: Astrobiology", "The Universe: Alien Planets" e "The Universe: Search For ET", apenas para citar alguns.

Mesmo "na rua da nossa casa", nossas bem-sucedidas missões robóticas espaciais têm demonstrado que alguns dos nossos vizinhos do Sistema Solar são bons candidatos para abrigar formas de vida primitivas como organismos unicelulares. Marte já possuiu rios em sua superfície e existem boas chances de haver organismos microscópicos sob o solo. As luas de Júpiter e Saturno (Europa e Titã, respectivamente), por sua vez, apresentam boas condições de abrigarem vida primitiva e, falando do último orbe, Titã vem atraindo a atenção dos investigadores pelas condições singulares que reúne. Trata-se da única lua conhecida que possui uma atmosfera propriamente dita, e o único objeto celeste (além da Terra) em que sabe-se da existência de "mares" - grandes concentrações de matéria em estado líquido na superfície. Em 2004 a missão Cassini-Huygens descobriu lagos de hidrocarbonetos (moléculas à base de carbono e hidrogênio) nas regiões polares. A superfície do satélite é suave - ao contrário da superfície da Lua, cravejada de crateras - e até parecida com a da Terra, moldada por ventos, chuvas e tempestades de metano. Por estes motivos, tem sido frequentemente apontado como um dos locais mais prováveis para encontrarmos os primeiros sinais de vida extraterrestre.

Em que pese aqui as abissais diferenças ente vida extraterrestre bacteriana e vida extraterrestre mais complexa como animais, por exemplo, muitos cientistas estão à anos-luz a nossa frente no que se refere a visualizar como seriam tais formas de vida hipotéticas. O renomado documentário "Alien Planet", do Discovery Channel, explora essa questão embasado em muito conhecimento técnico, apresentando uma missão não-tripulada em direção ao imaginário planeta Darwin IV, o qual abriga formas complexas de vida alienígena. Se nós, com todas as nossas limitações, já conseguimos projetar programas espaciais desse tipo para o futuro, do que seria capaz uma hipotética civilização à centenas ou talvez milhares de anos a nossa frente? Será que já não estamos sendo visitados por missões espaciais alienígenas não-tripuladas? A despeito do risco de tendenciosidade que posso estar transmitindo no momento com tais especulações, peço a paciência dos meus leitores para que esperem eu explorar isso de uma forma mais adequada no próximo post: "Para Quem Acredita", o qual estará intimamente relacionado a este.

Mesmo "dentro da nossa casa", iniciativas como a do SETI (Search For Extraterrestrial Intelligence) Institute, organização científica sem fins lucrativos fundada em 1984 com o intuito de detectar sinais de vida extraterrestre inteligente por meio de ondas de rádio, mostram o quanto alguns cientistas estão otimistas. A despeito de alguns senões por parte da comunidade científica oficial sobre as motivações do SETI Institute terem sido simplistas no início, hoje a instituição encontra-se muito mais madura e preparada para o enorme desafio, apresentando 3 centros científicos. Dois desses centros efetuam pesquisas em áreas como astronomia, astrobiologia, teoria da informação, invovações tecnológicas e a busca por inteligência extraterrestre propriamente dita através de radiotelescópios. O outro centro é responsável por projetos educacionais, dos quais destaca-se o programa de rádio semanal intitulado "Are We Alone?" para, sobretudo, divulgar o trabalho do SETI e popularizar a ciência.

Apesar de cientes das enormes diferenças entre vida extraterrestre complexa (algo parecido com animais) e vida extraterrestre inteligente (algo parecido com humanos), o pessoal do SETI confia plenamente na possibilidade de haver civilizações lá fora, as quais possuiriam totais condições de entrar em contato conosco. Só para expandirmos um pouco essa idéia, conforme sugeriu Nicolai Kardashev, renomado astrofísico e ex-diretor do Instituto de Pesquisa Espacial Russo, no esquema de classificação que leva seu nome, podem existir 3 tipos de civilizações no universo: Tipos 1, 2 e 3. Uma civilização Tipo 1 englobaria uma civilização que dominasse os recursos naturais de seu próprio planeta, utilizando toda a energia disponível em seu próprio mundo. Uma civilização Tipo 2 seria capaz de dominar os recursos energéticos de sua própria estrela além de colonizar seu próprio sistema solar. O Tipo 3 teria um alcance além do seu próprio sistema solar e teria como fonte energética os recursos disponíveis em toda sua galáxia. Kardashev sugeriu que este último tipo de civilização poderia ter milhões ou até bilhões de anos de existência (algo paradoxal se comparado com nossos míseros 6 mil anos de existência desde os Sumérios, na Mesopotâmia).

Essa escala de classificação foi proposta em 1964 e é utilizada até hoje pelo
SETI Institute. Inicialmente, Kardashev estimou que nós estaríamos na classificação zero desta escala e depois Carl Sagan redefiniu a fórmula original, estimando que seríamos uma civilização nível 0.7. De qualquer maneira, mencionei a escala de Kardashev com o intuito de ilustrar que pode haver de tudo por aí: desde civilizações primitivas (nós estaríamos mais perto do lado primitvo do que do lado avançado da escala) até civilizações com milhões ou até bilhões de anos de existência.

Como somos muito fracos para números e só para ilustrar muito debilmente as enormes diferenças entre as civilizações hipotéticas aqui classificadas, vamos analisar toda a geração de benefícios resultantes de uma missão espacial tripulada, por exemplo, já que muita gente ainda questiona veementemente a necessidade de explorarmos o espaço. O argumento de que seria muito mais útil gastar o dinheiro investido em missões espaciais no combate à fome na África, embora bem intencionado, é bastante simplista e limitado. Por exemplo: entre transferir recursos de uma missão espacial e os recursos da indústria bélica para um projeto cujo objetivo seja acabar com a fome, eu sou muito mais a favor da segunda opção. Além disso, acabar com a fome não resolve o problema das regiões castigadas pela extrema pobreza. Seria necessário ir muito mais além, fomentando a educação, controlando rigorosamente a natalidade, gerando emprego e moradia, tudo de acordo com as boas práticas de desenvolvimento sustentável. Por outro lado, a exploração científica nunca é uma iniciativa inútil e, se formos buscar as informações sobre os benefícios resultantes do avanço da tecnologia aeroespacial bem como das investigações científicas envolvidas, tanto na Terra quanto no espaço, vamos achar muitas aplicações na melhoria das condições humanas (confira alguns destes benefícios no site da NASA). Ou seja, é preciso haver desenvolvimento tecnológico para gerar desenvolvimento econômico. E sem desenvolvimento econômico, não há como combater a fome bem como outros problemas sociais.

Outro fator que é quase sempre ignorado é a amplitude de conhecimento técnico e/ou intelectual fomentado pelo desenvolvimento da exploração espacial. Por exemplo: ao avaliar todos os detalhes possíveis em uma missão espacial tripulada, vemos que existe um universo de coisas em jogo por estarmos lidando com condições hostis para a vida humana. Existem muitas equipes de altíssimo nível técnico trabalhando em diferentes estágios da missão para garantir que tudo dê certo e que nenhuma falha resulte em perda de milhões de dólares em investimentos ou pior: resulte em perda de vida humana. A fórmula certa de combustível, o traje adequado, a alimentação correta, toda a tecnologia envolvida, aperfeiçoamentos que precisam ser testados, tarefas que precisam ser executadas, procedimentos de segurança que precisam ser criados e seguidos, enfim, esta lista é demasiadamente longa... Fora isso, existe todo o preparo físico, mental e psicológico dos astronautas, os quais devem zelar também para que todos os detalhes envolvidos sejam considerados e que em um momento de crise essas pessoas possam estar aptas à resolver eventuais problemas, os quais são geralmente de caráter fatal.

Quando falamos de missões robóticas, então, o nível de complexidade técnica envolvida é muito maior, posto que tudo deve ser previsto (inclusive problemas, falhas, eventuais consertos, planos A,B,C, etc.) de forma a ser meticulosamente controlado à distância. Assim, apesar dos míseros 0.7 pontos que "ganhamos" na classificação de Kardashev, o conhecimento técnico envolvido nessas missões é algo que a maioria de nós sequer "arranha" e talvez nunca venha a "arranhar". Tentem agora imaginar uma civilização nível 3 e presumam o distanciamento em relação a nós, pobres terráqueos...

Seja um hipotético contato com uma civilização alienígena durante uma missão espacial, através do SETI Institute ou qualquer outro meio, tal evento poderia abrir espaço para reavaliarmos todas as nossas relações aqui na Terra. Isso porque seríamos obrigados a comparar nossa civilização com a deles se quiséssemos fazer um bom uso da oportunidade. Para fazer jus ao cenário científico, tecnológico e intelectual do momento deveríamos estar aptos a fazer algumas perguntas. Sugiro algumas logo abaixo:

Da onde é que eles vêm? Onde estão localizados os seus planetas de origem? Que tipo de tecnologia empregaram para superar as distâncias astronômicas aparentemente intransponíveis para nós? Depois, como são os seus mundos: sua constituição física, química, atmosférica, etc. E em seguida, as perguntas mais complicadas: como será a civilização desses seres? Quais serão os prodígios científicos e/ou tecnológicos alcançados pela estrutura de suas sociedades? A constituição social de seus mundos de origem é parecida com a nossa? Possuem algum sistema político predominante? Esse sistema poderia ser comparado com algum tipo de estrutura política empregada em nosso mundo? Como estão estruturados os seus meios de produção? Conquistaram aquilo que nós poderíamos denominar de modelo econômico ideal? Ou enfrentam algum distúrbio social como miséria, desemprego, violência, ou segregação? Lutam por alguma espécie de ideologia? Seguem à risca um determinado conjunto de valores morais? Possuem religiões? Acreditam em algum deus? Existe verdadeiramente alguma espécie de deus para eles? Depositam a fé em alguma coisa tida como superior? Ou acreditam tão somente naquilo que é possível lidar em seu cotidiano? Tiveram ao longo da sua história personalidades importantes como Jesus, Maomé, Buda ou algo parecido? Foram influenciados por alguma espécie de movimento místico e/ou esotérico? Acreditam em reencarnação? Descobriram coisas a respeito da vida que nós sequer desconfiamos? Qual é a visão de mundo desses seres? E com que objetivo teriam vindo ao nosso mundo?

Vemos que, mesmo para fazer esse punhado de perguntas muito simples, seria preciso saber perguntar, tendo como inevitável referência de comparação nossa própria sociedade e história. E em razão de todas as possíveis respostas para estas perguntas, será que estaríamos preparados para ouvir o que os extraterrestres teriam a nos dizer? Será que os nossos sistemas políticos, econômicos, sociais, culturais ou religiosos aguentariam incólumes o impacto causado por um provável choque entre duas realidades completamente diferentes? Será que as nossas autoridades bem como as corporações e/ou instituições mais poderosas do nosso planeta estariam dispostas a ceder espaço para uma nova ordem mundial emergente, já que é isso o que representaria, basicamente, a hipotética chegada de uma civilização extraterrestre em nosso mundo? Neste caso, em particular, não estamos falando apenas de tecnologia, mas também de um aspecto mais amplo que é o desenvolvimento da cultura. Ora, é possível imaginar a existência de uma tecnologia muito avançada sem o conceito básico de uma civilização para poder construí-la? Uma estrutura que foi capaz não apenas de manter um inimaginável conhecimento em diversas disciplinas mas também proporcionar a evolução de uma sociedade de forma organizada e sustentável. Uma civilização que teria conseguido superar barreiras para nós até hoje intransponíveis — como viajar pelo vastíssimo espaço e driblar a inabalável fronteira do tempo — , chegando até nós com uma tecnologia cujo conhecimento escapa totalmente da nossa atual capacidade de raciocínio só poderia ser considerada como avançada em toda a sua estrutura e não apenas "tecnologicamente", como alguns gostam de citar. Desta maneira, o início de um longo processo de comparação seria inevitável, estimulando a reflexão sobre aquilo que somos, sabemos, fazemos ou cremos com uma hipotética sociedade extraplanetária.

Não precisamos de um contato alienígena para fazer tais reflexões. Na verdade, já estamos fazendo esse exercício ao considerar todas as informações anteriores como pistas para uma eventual realidade ainda a ser descoberta. Longe de ter esgotado este assunto, termino aqui apenas por uma questão de cansaço. Na verdade, considerar tais questões como "assuntos esgotados" talvez seja uma premissa muito errada pois não se trata de uma questão de fé (acreditar ou não). Estar em um ou outro lado da balança, denota apenas um grande desconhecimento sobre os avanços que vêm ocorrendo nos meios científicos e inviabiliza qualquer discussão sobre o assunto. É por isso que este post não termina por aqui. É apenas o começo de uma estória a ser escrita por todos nós.

Abs,
Marcio

Um comentário:

  1. Esse é o ponto-chave: ao lidar com seres cujo cotidiano lida com possibilidades para nós muitas vezes até inimagináveis, devemos considerar que eles não apenas têm tal ou qual capacidade, mas quais as implicações que as mesmas representarão na cultura destes seres.

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