segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Em Verdade Vos Digo

No final do post ”Futebol, Política e Religião” eu mencionei que, de uma forma geral, a humanidade não está compromissada com a verdade. Muito pelo contrário, vivemos em um universo de farsas, mentiras e enganações e, paradoxalmente, estamos tão viciados na dissimulação que não interessa mais saber a verdade.

Embora pareça uma alegação pesada, parte disso é possível de ser checada no universo virtual da Internet. Gosto de utilizar duas redes socias: Orkut e Facebook. A primeira rede social passou por uma recente reformulação, assemelhando-se agora com o Facebook. Em ambas, todavia, é impressionante como o famoso ”confete” é utilizado. Adjetivos do tipo "lindo(a)", "maravilhoso(a)" e elogios do tipo "curti", "adorei" ou "amei" dão o tão difundido tom de exaltação e superficialidade que predominam em testemunhais, scraps, comentários, comunidades e mensagens instantâneas. E o elogio, por sua vez, não é necessariamente fundamental; faz parte da cada vez maior necessidade de sermos enganados. Lutamos por isso de maneira doentia, com medo de encarar a verdade dos fatos: não somos o que achamos que somos, pisamos na bola como todo mundo, cometemos inúmeros erros, não vivemos da forma que gostaríamos de viver e o mundo não é da forma que gostaríamos que fosse. Em resumo, as redes sociais são estruturas virtuais sobre as quais criamos mundos virtuais imaginários, de acordo com as nossas carências, desejos e vontades que sentimos no mundo real. Tudo bem que as redes sociais são utilizadas predominantemente para o entreterimento e, sendo assim, não poderiam deixar de ter essa característica de interação humana superficial. Ainda assim, é impressionante como o tom de "enfeite", "máscara" ou "ilusão" é largamente disseminado, com temas que exaltam a alienação e a superficialidade ao ponto das pessoas não se interessarem mais por questões importantes e, portanto, da necessária profundidade exigida em tais situações, muito além do simples "lindo" ou "maravilhoso". Escrevo isso porque tentei várias vezes levar adiante conversas um pouco mais aprofundadas em uma certa comunidade do Orkut e não tive sucesso. Tentando entender não somente a falta de interesse como também a repulsa por conversas mais significativas, refleti sobre o conceito de verdade. Não que eu ache que seja dono da verdade e sim porque percebo que isso parece ser cada vez mais um conceito irrelevante em nossas vidas, sendo mais importante levar adiante um universo de mentiras do que debatermos questões realmente fundamentais, as quais já consideramos equivocadamente como superadas. Ou seja, o mundo é assim, o estilo de vida que levamos é esse mesmo, nossa visão de mundo é a ideal e não me importune com esse papo besta de verdade... Mas será que a vida é assim mesmo e ponto final?

No primeiro filme da trilogia Matrix, sucesso de bilheteria do final dos anos 90, o personagem Morpheus oferece ao personagem Neo uma decisiva oportunidade de escolha representada por duas pílulas: uma vermelha e uma azul. Tomando a pílula vermelha, Neo teria acesso à verdade por detrás dos acontecimentos estranhos que ele estava vivenciando. Tomando a pílula azul ele continuaria "sonhando acordado", levando sua vida adiante no mundo das ilusões criado pelo sistema da Matrix. Tomando a pílula vermelha ele teria acesso à verdade, nua e crua, fosse como fosse, agradável ou desagradável... não importa. Tomando a pílula azul ele continuaria a viver em um mundo de mentiras e ilusões. Quem viu o filme sabe que Neo, por suas características pessoais indagadoras, escolheu a pílula vermelha. E a realidade revelada a ele mostrou-se desagradável mas ao mesmo tempo poderosa e libertadora.

Não muito diferente do que a idéia de alienação do filme, somos todos vítimas da "síndrome do papagaio" no mundo real. Ou seja, nos apropriamos de idéias, conceitos e informações que chegam até nós sem sequer checar a origem e o histórico para saber se são dados verdadeiros ou processos ilusórios provocados por inúmeras distorções ao longo do tempo. Na esmagadora maioria das vezes, repetimos idéias alheias feito papagaios, sem saber se aquilo é algo real ou uma invenção. Começa tudo por aí: não estamos habituados a buscar a verdade e confiamos em praticamente tudo o que chega até nós de forma incondicional. Em segundo lugar, não estamos habituados a reconhecer nossos erros, comportamento que praticamente sepulta a checagem das informações, haja visto que não reconhecemos que uma grande parte das coisas que consideramos certas são meias-verdades ou simplesmente conclusões equivocadas. Em terceiro lugar, sofremos de um acentuado nível de preguiça coletiva: em plena era da informação, na qual tudo acontece de forma automática, toda atividade que requer um pouco mais de tempo e trabalho intelectual é simplesmente descartada por nós. E por último mas não menos importante, não estamos a fim de saber a verdade: nosso medo do desconhecido (é melhor um "ruim conhecido" do que um "bom a ser conhecido") reforça a tradição e impede a quebra dos paradigmas que nos aprisionam. Como resultado, passamos por um incontável número de situações como aquela pela qual Neo passou e, na maioria das vezes, preferimos tomar a pílula azul ao invés da vermelha...

Para aqueles poucos que tiveram paciência de chegar até aqui e se aventuram a tomar a pílula vermelha, eu perguntaria o seguinte: qual seria então o conceito de verdade? Como poderíamos definir esse conceito? A pergunta é óbvia demais? Presunçosa demais? Ou merece um pouco mais da nossa devida atenção?

Aguardem o próximo post...

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