sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Futebol, Política e Religião

Lembro-me de ouvir a expressão "futebol, política e religião não se discutem" desde criança e o seu uso continua firme e forte até hoje, dando muita segurança para quem se utiliza dela. Como na esmagadora maioria das vezes, repetimos essa frase feito papagaios sem sequer pensar no sentido subjacente, como forma de proteger algo que consideramos valioso e inquestionável. De uma forma geral, tanto futebol quanto a política são encarados como religião (a política, depois da guerra fria e da queda do muro de Berlim, vem perdendo as características de religião vertiginosamente) e a religião, por sua vez, nunca foi fundamentada sobre os pilares da razão. A utilização da frase denota uma ligação puramente apaixonada e de reação automática que não envolve qualquer processo de ponderação ou raciocínio lógico. E a verdade, na maioria das vezes inconveniente, é que não existem assuntos inquestionáveis. Não há assunto acima da condição humana, acima do bem e do mal ou de abrangência hunanimamente universal. A alegação de que algo é inquestionável esconde sentimentos de segurança e conforto a respeito dos quais os usuários da expressão não querem abrir mão, pois apegaram-se apaixonadamente à uma idéia ou conceito sem questionar os fundamentos desses elementos.

Todo processo humano é passível de erro e não é pelo fato de sermos religiosos que nós estaremos livres dos erros, enganos, problemas, incertezas, teimosias, mal-entendidos, etc. Aliás, tais elementos participam da nossa vida de uma forma muito mais ativa do que nós podemos sequer imaginar, uma vez constatado que as nossas chances de acerto são mínimas frente ao fato das condições de erro serem proporcionalmente imensas. Tal afirmação fundamenta-se na constatação de que nosso conhecimento sobre a realidade é extremamente pequeno e precário (vejam o vídeo Pálido Ponto Azul e o post "Não Sabemos Nada"). Desta maneira, a disposição para estar aceitando essas limitações inerentes ao ser humano, independentemente de qualquer agremiação, filosofia, crença ou visão particular acerca das coisas poderia ser o primeiro passo para estarmos revendo todos os nossos referenciais existentes. E quando escrevo "todos" são "todos mesmo". Não é pelo fato de torcermos para um time específico, estarmos filiados a um partido X,Y ou Z ou seguirmos a religião mais popular que estaremos livres de enganos. Muito pelo contrário, a religião existe desde que o mundo é mundo e nem por isso nosso planeta deixou de ser um lugar de muito sofrimento. De vez em quando, ouço alguém comentar que o mundo melhorou muito depois que o Crisitianismo surgiu, sendo esta mais uma afirmação falaciosa, bem ao estilo "futebol, política e religião não se discutem". Quem diz isso ou está defendendo "seu time" ou desconhece por completo a história da civilização ocidental para entender que o mundo, na verdade, piorou muito depois que o Cristianismo surgiu. Mas quem vai se dar o luxo de estudar a fundo a história do mundo ocidental, não é mesmo? Aliás, recentemente o Prêmio Nobel de Literatura, José Saramago, ironizou ao comentar que os cristãos não lêm a Bíblia. Embora ele tenha generalizado, devo concordar que existe pouquíssimo interesse por parte dos cristãos em conhecer as origens ou desenrolar da própria história do Cristianismo.

Mas afinal, que posicionamento é esse? Por que partimos do princípio de que existem coisas que não devem ser discutidas? É o apego à tradição, na ilusão de que tais premissas, amplamente aceitas pela sociedade, representam uma base sólida sobre a qual nós podemos nos acomodar com segurança. E isso sempre foi uma percepção muito falha: a esmagadora maioria das pessoas acreditava que o Sol girava ao redor da Terra quando Copérnico defendeu as bases de um modelo heliocêntrico. E a maioria estava certa? É óbvio que não... Sob o ponto de vista religioso, é claro que a sabedoria e os ensinamentos presentes em muitas filosofias milenares não deveriam ser desconsiderados, porém, há que se reconhecer humildemente as inúmeras limitações decorrentes de modelos arcaicos cujas estruturas há muito não correspondem mais com as conquistas, descobertas e necessidades do mundo moderno. Assim eu volto à questão atual do chavão que dá título a este post: se uma idéia ou conceito são realmente bem fundamentados, não há questionamento que possa colocá-los em xeque, não havendo nenhuma razão para temermos qualquer discussão. Porém, não é isso o que acontece. Buscamos sim defender o nosso ponto de vista, sem ao menos considerar a mais remota possibilidade de que ele possa estar errado. E ao utilizarmos o referido clichê estamos querendo dizer, na verdade, que estamos protegendo algo sagrado. Se esse "algo", todavia, fosse real e bem estruturado em bases sólidas, não precisaria da nossa desesperada proteção...

Em suma, a triste realidade é a seguinte: não há um compromisso com a verdade. No fundo, não estamos a fim de descobrir a verdade sobre as coisas. Se assim o fosse, não haveria mais religiões se proliferando pelo nosso mundo e nós não teríamos tanto medo de ter acesso ao conhecimento.

Abs:

Marcio

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