quarta-feira, 14 de abril de 2010

Conflito Religioso

Desde o início deste blog venho alertando para a tendência de uma caminhada acelerada da nossa sociedade em direção a uma Segunda Idade das Trevas. Ao longo de alguns posts do ano de 2009, reforço a tendência da escalada da religiosidade sobre o mundo resultar em intolerância, violência e escaramuças em lugares até então imunes a esse tipo de conflito, fruto de um fanatismo galopante e uma deprimente estreiteza de visão. Alguns acharam que eu estava exagerando loucamente, pois o Brasil é um país livre e democrático, gozando de plena “liberdade religiosa” e que isso nunca teria chances de acontecer por aqui. Mas talvez tenha sido justamente o pouco caso do Estado para o crescimento descontrolado do poder das religiões, especialmente as de caráter evangélico, um dos fatores que proporcionaram as condições para a estupidez que repasso a seguir. Vejam abaixo duas notícias na íntegra do site de notícias G1. Isso me parece apenas o começo do absurdo retrocesso, atos tão repugnantes e inaceitáveis que me fazem até pensar em ataques contra os ateus:

1) Evangélicos invadem centro espírita no Catete, diz polícia

Segundo a Polícia Civil, invasores quebraram imagens e móveis do local. A polícia ainda não sabe o que motivou o crime.

Do G1, no Rio, com informações da TV Globo





Um grupo de pessoas invadiu um centro espírita na noite desta segunda-feira (2) na Rua Bento Lisboa, no Catete, Zona Sul do Rio de Janeiro, e destruiu várias imagens que estavam sobre o altar.




De acordo com freqüentadores, o centro existe há 80 anos e nunca tinha sofrido nenhuma invasão. Quando os manifestantes chegaram, muita gente ainda aguardava do lado de fora do prédio para acompanhar uma celebração.


Segundo Edmar Castelo Branco, a responsável pelo centro, as provocações começaram na fila. "Tinha uma fila com mais de 60 pessoas e aí eles começaram a provocar na fila. Aí empurraram a porta, abriram a porta e entraram já xingando e quebrando todos os santos."


Segundo a 9ª DP (Catete), em depoimento, os suspeitos afirmaram ser evangélicos. Pelo menos cinco carros do 2º BPM (Botafogo) foram para o local na tentativa de conter o tumulto. A polícia ainda não divulgou os nomes dos invasores. Ninguém ficou ferido.


Ainda não se sabe o que motivou o crime. Quatro suspeitos e freqüentadores do local prestaram depoimento na delegacia.

2) Templo cigano é alvo de vandalismo na Freguesia, diz religioso

Várias imagens que estavam sobre o altar foram destruídas.

Segundo a polícia, caso foi registrado como intolerância religiosa.

Rodrigo Vianna Do G1, no Rio




Um grupo de pessoas invadiu o templo cigano Tsara Antal Kóczé, na Estrada do Gabinal, na Freguesia, em Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio de Janeiro, e destruiu várias imagens que estavam sobre o altar. Segundo o sacerdote Renato D’Obaluaê, de 48 anos, o centro existe há um mês e nunca tinha sofrido invasão.





O crime ocorreu na madrugada de quinta-feira (11). “O templo é vinculado ao umbandismo, mas as reuniões são tranquilas, não há uso de atabaques, não fazemos barulho e nem atrapalhamos os vizinhos. Ontem (quinta) eu cheguei ao templo com um dos diretores do local e encontramos o salão completamente destruído”, disse o sacerdote.


No momento do crime o templo estava vazio. Além das imagens quebradas, os criminosos destruíram cadeiras, vasos, cortinas e janelas. De acordo com Renato D’Obaluaê, a ação foi registrada na delegacia como intolerância religiosa, com base na lei 7716/89 (Lei Caó).


“Roubo não foi, porque nada foi roubado. Isso é um absurdo, e tem que acabar. Outros casos já aconteceram na cidade e, apesar das manifestações e da legislação, nada acontece contra os responsáveis. O caso é típico de vandalismo”, declarou.


Policiais da 32º DP (Taquara), onde o caso foi registrado, fizeram a perícia no local. Os agentes ainda investigam as causas do crime.

4 comentários:

  1. E ainda dizem que cada um tem liberdade nesse pais... (sorry, o teclado nao tah escrevendo com acentos, nao to assassinando a lingua ^^).

    Como a gente jah escuta desde crianca, tem 3 coisas que nao se discute: futebol, politica e religiao. O homem fica abaixo da classificacao animal quando se trata das proprias crencas, vira uma criatura vergonhosa de se existir nesse planeta.

    De tantos organismos pensantes que (com certeza) existem no universo, fomos a raca escolhida pra ter polegares opositores e cerebros (supostamente) superiores. Estamos vendo que isso nao passa perto do suficiente pra sermos classificados como racionais...

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  2. Olá, Márcio. Venho acompanhando seu blog desde seu início, e cumprimento-o pelas excelentes postagens, pertinentes, lúcidas e sempre bem escritas. Hoje, pela primeira vez, decidi fazer alguns comentários, sobre o assunto "liberdade religiosa".

    Primeiro, esclareço que não sou absolutamente pessoa religiosa, embora tenha amigos praticantes de várias religiões e a convite dos mesmos, por amizade, simpatia ou mesmo curiosidade, tenha frequentado eventualmente cultos e reuniões de algumas delas. Pessoalmente, prescindo de religião e de “intermediários” para me comunicar com o “poder superior”... Em suma, tenho, como na opção do velho Orkut, "um lado espiritual independente de religiões". Entretanto, compreendo, aceito e respeito que a maioria não pensa nem sente desta forma, e acredita necessitar do apoio de uma religião; ora, uma questão é a do respeito e tolerância a pontos de vista e formas de viver diferentes dos nossos, o que torna a coexistência e a convivência, se não agradáveis, pelo menos civilizadas, mas outra, e que é muito importante a meu ver, é a questão LEGAL. O que quero dizer é que o "meu ideal" (espiritualizado e não-religioso) não vem ao caso, que um meio-termo satisfatório seria para mim a coexistência pacífica e civilizada entre os praticantes das várias religiões, mas nem isso infelizmente vem ao caso, uma vez que mostra-se hoje muito distante das possibilidades da maioria das pessoas, que mostram-se realmente cada vez mais fanáticas e fechadas dentro das convicções individuais dos grupos a que pertencem. Mas, se o ideal e mesmo o meio-termo mostram-se utópicos, o mínimo aceitável resvala para a questão legal. Estamos no Brasil, um Estado laico, e que garante em sua Constituição o direito à liberdade religiosa, há muito tempo. Desculpe se me estendo demais, mas gostaria de citar alguns dados sobre o histórico dessa questão.

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  3. (continuando...)
    - O artigo 5º da Constituição Imperial do Brasil dizia que a religião Católica Apostólica Romana era a religião do Império, e que todas as outras eram permitidas com seus cultos domésticos ou particulares em casas para isso destinadas, sem manifestação exterior em templos. O Artigo 95 da referida Constituição Imperial dizia que “todos os que podem ser eleitores, são hábeis para serem nomeados. Excetuam-se (...) os que não professarem a religião do Estado”;

    - Em 1891, a República introduziu o princípio de separação da Igreja e do Estado (ou seja, o Brasil tornou-se um ESTADO LAICO). Um dos primeiros Decretos Republicanos dizia:
    O Marechal Deodoro da Fonseca, chefe provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, constituído pelo Exército e pela Armada em nome da Nação, decreta:

    Art. 1º - É proibido à autoridade federal, assim como à dos estados federados, expedir leis, regulamentos ou atos administrativos estabelecendo alguma religião ou vedando-a, e criar diferenças entre os habitantes do Brasil, por motivo de crenças, opiniões filosóficas ou religiosas.

    Art. 2º - A todas as confissões religiosas pertence por igual a faculdade de exercerem o seu culto, regerem-se segundo a sua fé e não serem contrariadas nos atos particulares ou públicos que interessem o exercício deste decreto.

    - A Constituição do Brasil de 1934 especificava em seu artigo 113, parágrafo quarto: É inviolável a liberdade de consciência e de crença e garantido o livre exercício dos cultos religiosos, desde que não contravenham à ordem pública e aos bons costumes. As associações religiosas adquirem personalidade jurídica nos termos da lei civil.
    A Emenda Constitucional nº 1/1969 manteve tratamento similar.

    - Em nossa CARTA MAGNA, a Constituição de 5 de outubro de 1988, é mantida a determinação de liberdade religiosa, no artigo 5º.

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  4. (continuando...)
    Muito bem, legalmente temos então a liberdade religiosa assegurada desde 1891. Outra coisa é a realidade da sociedade; uma rápida pesquisa na internet pode informar aos interessados como foram violentas as perseguições aos praticantes de religiões africanas e de umbanda (a própria polícia invadia e depredava templos e agredia praticantes), até meados da década de 60. Lembro também que na década de 70 os não-católicos continuavam sendo mal-vistos, havia muito preconceito. Os protestantes eram chamados de "crentes" e ria-se deles; os budistas eram "exóticos" e "esquisitos", e os espíritas entravam, junto com praticantes de umbanda ou candomblé, na categoria de "gente que fala com o diabo" ou "macumbeiros"... Hoje a situação mudou um pouco, pois o catolicismo perdeu muitos adeptos para um número inacreditável de igrejas ditas "evangélicas" (que são facilmente criadas, como já citado em postagem anterior), e o prestígio de médiuns como Chico Xavier e a dignidade de muitos budistas serviram para esclarecer alguns equívocos. Mas, se houve um pouco de esclarecimento e mudou estatisticamente a distribuição, não houve melhora em termos de intolerância; acredito que muitos teriam prazer em me levar a um auto de fé apenas por ter escrito aqui que “prescindo de religião”.

    Bem, concluindo por ora (porque isso ainda está bem longe de uma conclusão... rs) penso que o mínimo ACEITÁVEL é o cumprimento das leis. O Poder Público tem a obrigação de garantir os direitos dos cidadãos, e estes têm de estar muito conscientes, cobrar sempre esses direitos e respeitar os de todos. SEMPRE. Lembrando que estamos em ano de eleições... ;-)

    Grande abraço.

    Neusita

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