quinta-feira, 25 de março de 2010

Insano Vaticano

O alto escalão da Santa Sé, incluindo o então cardeal Joseph Ratzinger (que viria a se tornar o Papa Bento XVI), acorbertou um sacerdote norte-americano, reverendo Murphy, o qual teria abusado sexualmente de aproximadamente 200 menores surdos, segundo documentos da Igreja obtidos e revelados pelo jornal "The New York Times" (veja artigo completo no site de notícias G1). O arcebispo de Milwaukee em 1996, Rembert G. Weakland, enviou duas cartas ao Vaticano informando a situação e não obteve resposta do então cardeal Ratzinger (mais uma vez, o nosso Papa atual), o qual dirigia a Congregação para a Doutrina da Fé, comissão encarregada de estudar casos de abuso sexual. Como se já não bastasse o absurdo da acusação em si, o porta-voz do Vaticano afirma que não foram tomadas providências punitivas contra o sacerdote americano na época pois, “visto que o padre Murphy era idoso, sua saúde era precária, vivia em isolamento e não havia novas acusações nos últimos 20 anos, a Congregação para a Doutrina da Fé tomou em consideração a restrição e pediu que aceitasse a responsabilidade por seus graves atos". Ou seja, a maior autoridade da Igreja Católica fez vista grossa e foi conivente com os terríveis atos do reverendo Murphy, sendo que a justificativa oficial para não denunciar e punir o criminoso foi a de que o estuprador já estava “velhinho e com saúde precária”.


Será que eu estou ficando louco? Quer dizer que se um criminoso que prejudicou a vida de várias pessoas não é descoberto e posteriormente sentenciado, ao ficar velho e doente ele estará automaticamente livre de todas as punições cabíveis? Mais revoltante ainda foi o conteúdo da carta que o reverendo Murphy enviou ao cardeal Ratzinger (desculpem-me pela redundância, mas o cardeal em questão é hoje o nosso Papa), em 1998, ao prestar contas sobre seu comportamento doentio com seus superiores: "Só quero viver o tempo que me resta na dignidade do meu sacerdócio". Quer dizer, além de querer falar em "dignidade" depois de abusar sexualmente de 200 menores, o tal do reverendo ainda tem a audácia de dizer "só quero", como se a vontade dele pudesse prevalecer sobre a gravidade de seus atos hediondos. Hipocrisia nojenta, absurda e inaceitável de todos os envolvidos.


A Igreja que tanto se orgulha de bater no peito e dizer que representa o baluarte da moral e bons costumes no planeta Terra não está, na prática, fazendo justamente o contrário do que prega? Apesar de muita gente usar o argumento de que “precisamos da Igreja para nos orientar sobre o que é certo ou errado”, justificativa questionável sob diferentes aspectos, a Igreja está muito longe de ser o nosso “norte moral”.


Não é a primeira vez que a Igreja se enrosca vergonhosamente com denúncias sobre pedofilia ou abuso sexual. O recente caso de acobertamento de pedofilia na Irlanda, envolvendo inclusive o irmão do Papa Bento XVI, o qual negou a pedofilia mas confessou que espancava crianças (pasmem!), é apenas um dos exemplos de como o mais alto clero está comprometido até o pescoço com esses atos abomináveis, os quais seriam quase que hunanimamente punidos com severidade se estivessem fora do ambiente cristão. E ressaltando que, apenas nas últimas semanas, o Vaticano tem sido obrigado a lidar com uma série de acusações não só na Irlanda, mas também na Alemanha, Áustria e Holanda, eu me pergunto o quanto que ainda nós não sabemos sobre a podridão existente nos bastidores da Igreja. Na verdade, não precisamos ter "acesso aos bastidores" para traçar um perfil sobre a nefasta influência da Igreja sobre o mundo. Aos poucos interessados em história, vale fazer aqui um parênteses onde parece ser apenas a ponta de um imenso iceberg...


Esta é a parte mais triste de todo estudo sério a respeito da história das religiões, pois ao analisarmos friamente o passado delas, principalmente o passado do Cristianismo, perceberemos quanto o poder, os interesses, o egoísmo, a vaidade, a manipulação e até a insanidade mental foram capazes de construir uma história de guerras, mentiras, sofrimentos e barbaridades sem tamanho. Essa visão negra das religiões pode parecer um grande exagero mas está a disposição daqueles realmente interessados em saber a verdade nos bons livros de história espalhados pelo mundo. É um trabalho árduo de pesquisa cujo resultado acaba sendo recompensado pelas revelações quase sempre inusitadas. Deste modo, um estudo mais aprofundado sobre os primórdios do Cristianismo leva-nos irremediavelmente a aceitar que o registro tardio das idéias e eventos que envolveram a figura do Cristo, uma grande dose de influência da cultura grega, a violenta disputa entre diversas linhas de interpretação, a manipulação em função dos interesses do período e o crescente poder da Igreja como instituição acabaram por fazer de Jesus de Nazaré e o Cristianismo duas coisas díspares logo nos primeiros anos de existência. Aos poucos foram sendo criadas leis, regras, condutas, revisões dos dogmas existentes, adições ou alterações dissimuladas dos textos do cânone cristão com o intuito de aumentar ainda mais o poder da Igreja, dando corpo ao que seria o mais alterado livro de toda a história: a Bíblia. Com o tempo também foram sendo criados santos e mártires, alguns dos quais apenas com o intuito de fortalecer e justificar os fundamentos do poder eclesiástico. O fanatismo, por sua vez, deu o tom da expansão do Cristianismo sobre o mundo, sendo coroado talvez no momento de maior insanidade entre os séculos IX e X. Nesse período, outros absurdos fatores de distorção tais quais a escalada da corrupção em meio a imensa riqueza acumulada, a exploração escandalosa dos fiéis, o abuso de poder, a promoção de inúmeras orgias, as relações sexuais incestuosas, os atos de extrema demência mental e os crimes hediondos mais variados envolvendo os altos dignatários da Igreja (inclusive os Papas) distanciaram ainda mais os rumos do Cristianismo em relação ao objetivo original proposto pela doutrina. Em suma, a Igreja deste período conseguiu reunir tudo o que havia de mais abominável no ser humano, constituindo a mais perfeita oposição de sua própria prédica. Isso sem citarmos os séculos seguintes de lamentáveis atrocidades contra a humanidade numa época que acabou sendo conhecida por “Idade das Trevas”, tamanha foi a nefasta ignorância com a qual a Igreja influenciou o mundo.


Tudo isso acabou fazendo dos cultos, ritos e idéias que norteiam a cultura cristã no mundo de hoje apenas o fruto de uma “mutação secular” que parece ter pouquíssima ou até mesmo nenhuma relação com indivíduo que inspirou seus inúmeros seguidores. Tal qual um típico culto da carga, a figura de Jesus de Nazaré ecoou no espaço e no tempo com bastante distorção.


Na hipótese de um Jesus histórico ser capaz de testemunhar os desdobramentos de suas pregações nos dias de hoje, este provavelmente ficaria imensamente enojado com tantas barbaridades feitas em seu nome.


Abs,

Marcio

Nenhum comentário:

Postar um comentário