segunda-feira, 29 de junho de 2009

Deus é Gente

Mais uma vez, ao deparar-me com um folheto de divulgação de uma linha cristã bem conhecida, li um título que chamou minha atenção: "Deus é uma pessoa real?". Pensei: "Como assim Deus é uma pessoa real?". E a curiosidade levou-me a ler todo o resto. Seguem dois trechos do referido texto, os quais eu achei mais interessantes:

Primeiro trecho: "Primeiro, ele tem um lugar de morada. Segundo, ele é uma Pessoa, não simplesmente uma força indefinível que está em toda parte."

Segundo trecho: "Visto que Deus é uma Pessoa, ele também tem personalidade. Há coisas que ele gosta e coisas que ele não gosta. Ele também tem sentimentos. A Bíblia nos diz que ele ama seu povo, se alegra com seus trabalhos, odeia a idolatria e se sente magoado com a perversidade (Gênesis 6:6; Deuteronômio16:22; 1 Reis 10:9; Salmo 104:31). Em Timóteo 1:11, ele é chamado de "Deus feliz". Não é de admirar que Jesus tenha dito que podemos aprender a amar esse Deus de todo o nosso coração - Marcos 12:30."

Ao conversar sobre esta questão surreal com o seguidor Roni, o qual possui um blog que eu recomendo (http://pensamentoemextincao.wordpress.com/), este me lembrou sobre esse tipo de "descrição do divino" ser um fenômeno pré-histórico. De fato, ele tem toda a razão.

Os mitos e as religiões parecem ser fenômenos arquetípicos genéricos, surgindo em todos os lugares e em todos os povos da antigüidade. As primeiras manifestações religiosas, de acordo com certos estudos antropológicos relativos aos povos pré-letrados, apontam para as figuras femininas do período paleolítico europeu. Interpretadas como deusas da fertilidade pelos eruditos atuais, as primeiras esculturas feitas pelo homem parecem reportar logo de início às questões ligadas aos mistérios da existência. Com efeito, as estatuetas, pinturas rupestres e o cuidado com que os nossos antepassados enterravam os seus mortos já eram manifestações legítimas das primeiras formas de preocupação com a vida após a morte, com os mistérios da fecundidade e com as dificuldades advindas da luta pela sobrevivência.

Expressando sua integração com a natureza por meio de rituais cuja principal característica era a vivência do indivíduo, os povos primitivos davam muito valor à participação de todos os membros do clã em cerimônias de caráter religioso. Tais princípios de religião salientavam a nítida observação dos elementos da natureza, sendo evidente o fato de haver a ausência de traços de criatividade na inspiração mítica dessas culturas. Ou seja, seus objetos de culto diziam respeito a entidades e fenômenos observáveis na natureza tais como o Sol, o céu, a Lua, os relâmpagos, os animais, etc. Suas primeiras formas de culto envolviam certas explicações e justificativas para aquilo que era observado no reino natural e no cotidiano e, embora fossem criativos em sua arte e em suas formas de culto, os elementos e situações que inspiravam suas crenças estavam todos presentes no mundo palpável de suas percepções. Assim, imitavam os fenômenos naturais — tal qual se valiam da imitação os aborígenes envolvidos com os cultos da carga — a fim de obter por parte da natureza todos os benefícios necessários a sua própria sobrevivência: fartura na caça e na pesca, proteção das intempéries e de animais perigosos e explicação para os mistérios que envolviam a morte, a fecundidade e a própria continuidade da existência. Diante da grandiosidade da natureza e, em contrapartida, diante da constatação de impotência perante tais fenômenos, os povos primitivos começaram a apelar para rituais com oferendas a fim de atrair a amizade dos deuses, os quais, à imagem e semelhança desses povos, deveriam ter uma personalidade. E como toda personalidade, deveria mudar de tempos em tempos, estando de bom ou mau-humor de acordo com a fenomenologia natural observável. Na dúvida, melhor seria ser amigo dos deuses com todos os seus defeitos e qualidades para gozar das possíveis vantagens dessa amizade.

A oferta de oferendas para agradar aos deuses resultaria, um pouco mais adiante, no surgimento da oposição ao sistema de relação com a noção de sagrado, isto é, a magia. Embora seja um tanto difícil fazer a devida distinção entre religião e magia, sendo ambos os conceitos facilmente confundidos em certos ritos, tais diferenças existem se considerarmos os princípios que geraram ambas as concepções. Com efeito, enquanto a religiosidade se caracterizava pela submissão e aceitação da vontade dos deuses, a manipulação mágica surgia como uma opção derivada de uma certa "rebeldia" contra o curso natural das coisas, visando o controle das forças da natureza a fim de obter desejos particulares. Tais objetivos passaram a ser confundidos, misturados e incorporados pelas tradições religiosas com o decorrer do tempo; porém, não deixavam de tentar responder às indagações a respeito de qual seria afinal o destino do ser humano e de qual seria o seu papel dentro do cenário da vida.

Hoje em dia, porém, tais interpretações não fazem o menor sentido e querer perpeturar este tipo de visão sobre o divino é o mesmo que desejar viver no tempo das cavernas. Campos do conhecimento humano como física, cosmologia, astronomia, biologia, medicina e tecnologia da informação nos dão mais do que todo o suporte intelectual necessário para fazer cair por terra qualquer explicação do nível que testemunhamos acima, a qual argumenta que Deus seria uma pessoa. Levar adiante este tipo de interpretação da realidade, mesmo considerando apenas o acesso aos conhecimentos primários sobre cosmologia, é o mesmo que acreditar em papai noel com 47 anos idade.

Mas os fiéis tendem a abafar "os furos" de um ensinamento só porque ele é de caráter religioso. Tendem a fazer vista grossa para explicações infantis ou justificativas tôlas só porque o conteúdo faz parte de um folheto, ensinamento ou sermão religioso. Se eu saísse por aí dizendo que "Deus é uma Pessoa", a qual mora em um lugar específico, com pesonalidade, gostos e desgostos, preferências, humores e comportamentos variados de acordo com sabe-se lá quais critérios pessoais, me achariam totalmente maluco. Mas como trata-se de um texto religioso, essas informações são não somente toleradas como muito bem aceitas sem nenhum questionamento. Tratam-se de mecanismos de proteção das tradições muito bem desenvolvidos dentro das instituições religiosas com o intuito de fazer as pessoas não pensarem em tais argumentos falhos sob a justificativa de que são dogmas intocáveis, sagrados, os quais estão longe da nossa vã compreensão. E nós, muito ingenuamente, aceitamos de bom-grado este tipo de justificativa.

Da mesma forma, se eu decidir virar "artista" e começar a fazer shows com músicas e letras infantis, pulando e cantando igual a Xuxa, serei tachado de ridículo e é óbvio que não farei sucesso algum. Mas pegue um padre católico e coloque-o para fazer a mesma coisa e o resultado será completamente diferente. Por quê isso? É o mesmo mecanismo de proteção associado ainda ao conceito de autoridade. Eu não posso mas o padre pode, afinal, ele é uma autoridade religiosa. Quem somos nós para julgar? Ele sabe muito bem o que está fazendo. Já você, reles pecador, ainda tem muito a aprender...

Abs:
Marcio

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Cadê a Rebeldia?

Lembro-me do período do colegial, época que ficou marcada pela expressão máxima da minha revolta, rebeldia típica de um adolescente de classe média. Lembro-me das "diretas já", das greves dos sindicatos, do PT ainda como partido de esquerda atuante e de uma classe estudantil mais politizada. Era normal ouvir músicas diferentes com letras desafiadoras, questionar o sistema, indagar os professores, protestar contra os políticos, questionar as tradições, enfim, era normal "ser do contra".

Hoje, vejo um cenário completamente diferente. Vejo os jovens muito mais complacentes, muito mais integrados ao sistema, muito mais conformados com as tradições, frequentando missas e participando ativamente de eventos religiosos. Ou seja, a tradição parece ter vencido e uma horrível sensação de que tudo está resolvido ou de que não há mais nada a ser feito parece fazer parte do cotidiano dos adolescentes contemporâneos. No geral, vejo uma juventude continuista, pouco criativa, pouco inovadora, conformada e ajustada à corrente predominante da nossa sociedade, mais do que em qualquer outra época.

O que está acontecendo? Cadê a rebeldia típica dos anos 60, 70, 80 e 90? Lógico que, se considerarmos cada época, é mais do que certo constatar que o "nível de rebeldia" foi sofrendo uma redução ao longo dos anos, fator que eu já considero por si só perigoso. Mas agora, eu não posso considerar como simplesmente normal o desaparecimento dos traços de rebeldia em nossos jovens, sendo a adolescência um período tão crucial em nossas vidas em termos de formação.

É óbvio que estou generalizando. Estou ciente de que há grandes exceções em nossa juventude mas, no geral, percebo a predominância do "encaixe no sistema" e me preocupa muito quando ouço alguns intelectuais alegando que não existem mais ideologias, portanto, os jovens não teriam como lutar por nenhuma causa que justificasse o comportamento rebelde. Embora eu reconheça que há uma ausência de ideologias da forma que testemunhamos nos anos 60 e 70, não posso concordar que isso poderia justificar o "comportamento bovino" dos jovens atuais. Quer dizer então que, se não há mais ideologias, está tudo certo? Não existe mais nenhuma razão para lutar? Nenhuma forma de mudar a situação? A vida é assim mesmo e ponto final?

Na verdade, a interpretação dos intelectuais revela um problema subjacente que pode estar por trás do comportamento complacente dos jovens: não há mais uma percepção de problema. Há hoje uma grave crise de percepção, de uma forma que os problemas são banalizados e fazem parte da estrutura de um modelo "eternizado" de sociedade. Ou seja, o problema nem é mais visto como tal e sim como parte intrínseca do "sistema de engrenagens" do cotidiano, o qual é aceito e assimilado desta forma, sem qualquer traço de suspeita de que as coisas poderiam ser diferentes. Essa falta de percepção deve-se, pelo menos em parte, ao nosso falido sistema de educação, o qual não só retirou a filosofia do ensino médio (ainda na época da ditadura) como, por outro lado, introduziu o ensino religioso nas escolas (retrocesso mais recente). Como a idéia central da filosofia é ensinar as pessoas a pensar (este pelo menos deveria ser o enfoque da disciplina no nível básico de educação), foi muito conveniente para a ditadura retirar essa matéria das escolas.

A filosofia é uma disciplina importante para a nossa formação. Para quem não sabe, o pensamento filosófico constitui uma visão lógica e crítica da realidade que surgiu como sistema de oposição aos preceitos religiosos já por volta do século V a.c. Aparecendo inicialmente na Antiga Índia e pouco tempo depois na sociedade grega, a filosofia revelou os primórdios do pensamento independente da religião com o objetivo de preencher a lacuna deixada pela queda gradual da credibilidade das crenças e dos mitos. E foi na Antiga Grécia, mais precisamente, que floresceu a filosofia cuja influência dominou a formação do pensamento científico e da visão de mundo ocidental.

O Brasil, todavia, conhecido por ser um país predominantemente cristão (89% da população), carrega uma história pouco aderente à formação e desenvolvimento de uma filosofia nacional. A própria influência da Igreja na cultura brasileira encarregou-se de abafar a necessidade de um pensamento crítico da realidade, considerando a influência do dogma cristão sobre o molde do pensamento do povo brasileiro. A visão crítica da realidade independente da influência da religião sempre foi um fenômeno atrelado à classe intelectual brasileira, a qual teve acesso a uma educação de nível muito superior à esmagadora maioria da população. Se pensarmos ainda em toda a fase de censura que a ditadura militar levou adiante com mãos de ferro, a conclusão será de que a liberdade e o incentivo à produção intelectual livre nunca encontraram um nicho muito adequado para serem desenvolvidos de uma forma democrática, ficando fadados à uma elite intelectual apartada das massas. Desta maneira, a baixa qualidade da educação pública brasileira não é nenhuma novidade nem tão pouco o seu inacreditável declínio uma pura obra do acaso.

É claro que todo o sistema educacional deve ser amplamente reformado. Mas para manter o foco deste post, um dos grandes desafios educacionais do momento, além da correta implantação da filosofia na grade curricular do ensino médio, é o esforço para defender os valores de um modelo de ensino laico. O modelo vigente, já bastante fraco, vem sofrendo ainda fortes abalos pela progressiva adoção do ensino religioso nas escolas públicas deste país, na maioria das vezes sob o enfoque prático e não histórico (para maiores informações sobre o assunto, vide o post "Liberdade?!?!?"). Se a adoção do ensino religioso continuar da forma como está, a filosofia terá, mais uma vez, nenhum espaço para se desenvolver para além dos domínios acadêmicos de algumas poucas universidades. Agora, imaginem um modelo de educação que, não somente deixa de ensinar as crianças a pensar, como ainda introduz o ensino religioso na grade curricular das escolas públicas funcionando em pleno vapor daqui há alguns anos. No futuro, não haverá espaço para o questionamento, indagação, contestação, produção intelectual livre e diversidade cultural nem ao menos nos ambientes acadêmicos por causa do ingresso de uma legião de jovens que foram doutrinados desde o período do ensino médio.

Para quem acha que estou exagerando na descrição do cenário, parte das evidências que corroboram o que estou tentando dizer está presente na matéria de capa da semana passada da revista Época, cujo título é: "Deus É Pop". A matéria fala sobre recentes pesquisas, as quais revelaram que 95% dos jovens brasileiros consideram-se religiosos, 57% acreditam que é importante participar de atividades religiosas, 60% acreditam que Deus interfere diretamente em suas vidas e 79% acreditam na importância da oração. Este alto índice de religiosidade entre os jovens é bastante significativo ao abordarmos a diminuição da rebeldia entre os mesmos.

Contudo, há quem possa afirmar, baseado inclusive na própria revista, que os jovens não deixaram de ser rebeldes, haja visto o exemplo de uma garota evangélica toda tatuada dentre outros exemplos ao longo da matéria. Devemos considerar, todavia, que a rebeldia nos casos demonstrados permanece muito mais concentrada a pequenos grupos se for comparada com a amostragem total e, paradoxalmente, canalizada para o fortalecimento da tradição. Sendo a religião um dos pilares de sustentação da estrutura da nossa sociedade, tal manifestação é uma rebeldia às avessas, a qual serve para fortalecer o sistema ao invés de fornecer as bases para reformulá-lo. Embora haja novas roupagens para interpretar uma estória muito antiga (refiro-me aos novos formatos das igrejas evangélicas), os fundamentos milenares do Cristianismo continuam ali presentes e cada vez mais arraigados. Estamos, então, falando aqui de uma rebeldia em pról da continuidade. O comportamento pode até ser rebelde mas as motivações estão impregnadas de uma valorização da situação. Para quê ser rebelde então? É como se os jovens lutassem para continuar presos em uma penitenciária. Pode existir algo mais desconexo do que isso? Creio que não...

São por essas razões que eu fico cada vez mais decepcionado com os nossos jovens. Não existe nada mais deprimente do que observar adolescentes de 15, 16 ou 17 anos dirigindo-se de bom-grado para assistir uma missa católica ou um culto evangélico com uma visão de mundo já predefinida. Programa-se, na melhor fase de suas vidas, de que forma todo o restante de suas vidas será vivido. É a morte, ainda em tenra idade, de toda ideologia, questionamento e reforma das bases de uma sociedade em ruinas. Fazendo o livre uso de uma analogia, é como se pudéssemos ver vários jovens, com toda uma vida pela frente, amarrando-se à estrutura de um grande navio que está afundando ao invés de saltarem da embarcação para tentar salvar suas próprias vidas. Nada mais triste e paradoxal para os representantes do nosso futuro...

Abs:
Marcio

sexta-feira, 12 de junho de 2009

EmoET?

Tentando responder uma indagação da seguidora Rita no post "Glória ao Senhor, minha única droga!", a qual envolveu a seguinte idéia: "Como vc acha que os extrarrestres lidam com a emoção?", eu desenvolvi o seguinte:

Bom Rita, a resposta curta e honesta para a sua indagação é: eu não sei. Todavia, poderíamos especular através da comparação com o que nós fazemos em nosso planeta. Uma pessoa que não sabe lidar com as emoções é comumente vista como uma pessoa destemperada: ansiedade, nervosismo, julgamento falho, precipitação, paralisia, autoproteção, crises de choro e até violência participam do comportamento de uma pessoa destemperada, tendo mais ou menos um pouco de cada item, variando muito de pessoa para pessoa. Pois bem, teriam os extraterrestres o mesmo tipo de comportamento? Bem, não teríamos como generalizar isso por todo o universo mas, em relação aos alienígenas que viajam através do espaço, eu acredito que eles não seriam dominados pela emoção e vou explicar o motivo.

Avaliando todos os detalhes possíveis em uma missão espacial tripulada, vemos que existe um universo de coisas em jogo por estarmos lidando com condições hostis para a vida humana. Existem muitas equipes de altíssimo nível técnico trabalhando em diferentes estágios da missão para garantir que tudo dê certo e que nenhuma falha resulte em perda de milhões de dólares em investimentos ou pior: resulte em perda de vida humana. A fórmula certa de combustível, o traje adequado, a alimentação correta, toda a tecnologia envolvida, aperfeiçoamentos que precisam ser testados, tarefas que precisam ser executadas, procedimentos de segurança, enfim, esta lista é demasiadamente longa... Fora isso, existe todo o preparo físico, mental e psicológico dos astronautas, os quais devem zelar também para que todos os detalhes envolvidos sejam considerados e que em um momento de crise essas pessoas possam estar aptas à resolver eventuais problemas, os quais são geralmente de caráter fatal.

Agora você imagina um astronauta despreparado, destemperado, que não saiba lidar com as emoções, mesmo sem qualquer crise envolvida, só pelo fato de pensar que está a bordo de um ônibus espacial ao redor da órbita terrestre. O que uma pessoa como essa poderia estar colocando a perder? Bom, praticamente tudo.

Se compararmos as missões da NASA com hipotéticas viagens espaciais intergaláticas, nossas viagens tornam-se realizações muito primitivas. Uma coisa é uma missão para fora da órbita terrestre para consertar um telescóspio ou no máximo pousar na Lua (feitos que são, obviamente, um avanço muito grande para a humanidade). Outra coisa completamente diferente é superar as monstruosas e paradoxais fronteiras do espaço/tempo em uma viagem interestelar, ainda mais com outra grande diferença de poder encontrar uma civilização diferente pela frente. Se precisamos de gente muito preparada para o primeiro caso, imagine para o segundo.

Desta forma, acredito que os extraterrestres que viajam pelo espaço saibam lidar muito bem com as emoções. Aliás, poderíamos especular se não seriam os sentimentos ao invés das emoções aqui em jogo nesta especulação, justamente por tudo aquilo que eu comentei anteriormente. Assim, imagino que teríamos que definir o que seria emoção, razão e sentimento para levar esta discussão a um patamar um pouco mais adiante. Se quiser falar um pouco sobre isso, podemos desenvolver um outro post...

Abs:
Marcio

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Glória ao Senhor, Minha Única Droga!

Antes que me crucifiquem, o título acima não foi invenção minha... Faz parte de um comentário anônimo deixado no site de notícias Último Segundo. Segue o infeliz comentário na íntegra:

"ansiedade, síndrome de pânico, depressão, etc...tudo coisa de gente fraca, mente fraca, debilóides escravizados pelo sistema que precisam de ''remedinho'' pra conseguir viver, são iguais aos viciados em drogas, seres inferiores e desprezíveis de mente fraca que não merecem viver. Glória ao Senhor, minha única droga!"

O teor do texto acima foi comentado no post anterior, o qual eu intitulei como "Fanatismo". Conforme o prometido no post, agora vou comentar apenas a última frase do texto pois considero-a por demais emblemática. Seria até cômica se não fosse trágica.

A criatura que escreveu a frase acima, embora muito provavelmente não saiba, acabou por fazer um comentário que tem bastante propriedade. Isto porque, de acordo com as idéias legadas pelo famoso filósofo social e economista alemão Karl Marx (1818 - 1883), "a religião é o ópio do povo". Apesar das críticas que ele recebeu por dizer esta dentre outras coisas não muito educadas e agradáveis aos olhos do puritanismo e da tradição burguesa em meados do século XIX, talvez ele tivesse um pouco de razão. Afinal de contas, não seria a religião uma espécie de uma droga? Antes que me crucifiquem de novo, permitam-me terminar meu raciocínio.

As pessoas buscam as religiões por variados motivos e quase sempre não dão conta que a filiação à uma religião específica ocorre primeiramente por razões regionais e culturais. Somos cristãos porque nascemos em um pais latino americano, onde há uma enorme probabilidade das pessoas associarem-se ao cristianismo. Se tivéssemos nascido na India, por exemplo, as chances de sermos hindus seriam imensamente maiores. Seja porque nascemos em um ambiente religioso e isso constitui a única forma conhecida de encarar o mundo ou porque posteriormente buscamos dar um sentido maior à nossa vida (voluntariamente ou por causa de algum problema), associar-se a uma religião visa trazer respostas e conforto para nossas mais profundas inquietações. Todavia, estamos falando de respostas estanques, imutáveis, mais conhecidas por dogmas.

Os dogmas não possuem qualquer relação necessária com fatos, visto que não objetivam manter um elo racional com a realidade. São como contos, estórias e lendas misturados e distribuídos em liturgias que institucionalizam sistemas verticais de poder e de controle, os quais objetivam disseminar uma visão de mundo específica. Essa visão, disseminada na forma de leis inquestionáveis, diz para as pessoas exatamente aquilo que elas desejam ouvir envolto em uma "aura de mistério" ou com um clima de "sagrado" que nós, seres humanos, gostamos muito de reforçar. Obviamente, sentimo-nos confortáveis pela idéia de que há algo maior zelando pelas nossas vidas, mesmo que isso signifique sacrifícar nosso ato de raciocinar em nome do "divino", do "miraculoso" ou do "profundo mistério da fé". Neste sentido, o "efeito anestésico" da aceitação do mistério ficou demasiadamente explícito no infeliz comentário: falta de raciocínio, efeito comum em viciados em droga. Esse "efeito anestésico" é tão real que é muito comum os fiéis aceitarem qualquer tipo de comportamento, posicionamento ou argumentação, os quais seriam inaceitáveis se partissem de um pessoa comum, sob a justificativa de que os mesmos advém de uma autoridade religiosa.

É óbvio que a manutenção do mistério é uma saída muito conveniente tanto para os mantenedores quanto para os seguidores da Igreja e outras instituições. Geralmente, houve-se dizer: o mistério é o principal elemento da fé. Pois bem: não há nada de errado com o mistério, afinal de contas, ele apenas indica a existência de certos níveis de desconhecimento em relação às causas ou conseqüências envolvidas em um evento qualquer. A questão problemática, todavia, é tentar perpetuar a existência do mistério, impedindo que o conhecimento tome o lugar antes dominado pela ignorância, evitando assim o nosso avanço enquanto sociedade. E é justamente isso o que fazem as religiões. É de profundo interesse dessas instituições que a aura de mistério permaneça viva pois, se por um lado o mistério é o principal elemento da fé e se por outro o mistério corre o risco de ser eliminado, a religião pode deixar de ter a sua razão de ser e de existir. Neste sentido, sabemos que a fé constitui o pilar de sustentação das religiões, não sendo nenhum pouco interessante para os envolvidos em sua manutenção que ela tenha a sua função fortemente abalada.

Feita exatamente para preencher os buracos da nossa ignorância, a religiosidade poderia ser definida como um sistema psicológico de relacionamento com os domínios do sagrado, caracterizada ainda pela submissão e aceitação do que seria a vontade de um (monoteísmo) ou mais deuses (politeísmo). Fundamentada sobre os pilares dos mais severos dogmas e paradigmas, a religiosidade parece estar na contramão da história ao perpetuar crenças e valores culturais que negligenciam toda forma de desenvolvimento e de avanço, pois não permitem que se questione a manutenção de sua própria existência e estrutura. Nesse sentido, a religião é a sublimação da manutenção do “status quo”, promovendo a aceitação e o conformismo em relação ao sistema ao invés de fornecer as bases para reformulá-lo. Até o conceito de fé religiosa representa uma barreira contra a mudança, uma vez que ela preserva uma condição mental infantil baseada em sentimentos de confiança e segurança em um mundo presidido por pais poderosos, dominadores, responsáveis e bondosos. Tal condição acaba eximindo-nos da responsabilidade de sermos donos de nossas vidas, transferindo a responsabilidade de nossos atos para um fator externo cujo poder se encarregará de fornecer e manter tudo aquilo que precisamos. Com efeito, qualquer proposta que represente uma suposta ameaça ao desfrute dessa condição de confiança e segurança é sumariamente descartada pelos fiéis. Como crianças que apenas cresceram em tamanho, negamo-nos a aceitar a nossa derradeira emancipação (negação da nossa liberdade na forma de apego escapista semelhante a um vício). Permanecemos na infância expandida de uma vida religiosa regida por pais arquetípicos nascidos em um passado remotíssimo. Assim, vemos que a religião como manifestação cultural é algo plenamente compreensível e aceitável para os padrões do período paleolítico e até para os padrões de períodos posteriores, uma vez que o contexto humano era completamente outro. Hoje, porém, a maioria das religiões constitui nada mais e nada menos do que sofisticados desdobramentos dos cultos da carga, movimentos cuja aparente incorporação de novos valores só servem para mascarar uma estrutura subjacente que nos acompanhou desde os primórdios da História. O próprio conteúdo de suas proposições, apesar de possuir ensinamentos dignos de serem ouvidos, em geral choca-se de frente com os avanços da ciência e do conhecimento, fornecendo em alguns casos uma visão obtusa e medieval da realidade.

É claro que cada um tem o direito de acreditar naquilo que bem entender mas, se subordinamos a nossa vida tão somente em relação às coisas que nós gostamos ou queremos, corremos o gigantesco risco de estarmos nos enganando. Infelizmente, preferimos viver nos mundo dos sonhos ao invés de nos depararmos com a nua e crua realidade. E talvez essa realidade não fosse assim tão "crua", se passássemos a vivê-la "de cara limpa", de forma responsável e com maior intensidade. Neste sentido, a religião funciona exatamente como uma droga: cobrindo de forma paliativa as profundas carências existentes na psiquê humana.

Abs:
Marcio

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Fanatismo

Ao ler uma matéria do Último Segundo denominada "Rivotril: a tarja preta mais vendida no Brasil", deparei-me com o seguinte comentário de um anônimo:

"ansiedade, síndrome de pânico, depressão, etc...tudo coisa de gente fraca, mente fraca, debilóides escravizados pelo sistema que precisam de ''remedinho'' pra conseguir viver, são iguais aos viciados em drogas, seres inferiores e desprezíveis de mente fraca que não merecem viver. Glória ao Senhor, minha única droga!"

Achei o comentário tão absurdo que resolvi trazê-lo para o meu blog e comentar sobre dois temas que ele me inspirou. O primeiro deles está aqui neste post, o qual eu resolvi chamar de "Fanatismo" e o segundo no post que ainda estou preparando, o qual será intitulado "Glória ao Senhor, minha única droga!".

A forma mais perniciosa de manifestação religiosa é justamente o fanatismo. Atuando como uma verdadeira lavagem cerebral sobre os fiéis, o fanatismo negligencia qualquer atitude racional, criando um mundo apartado da realidade e sendo esta uma das características técnicas do conceito de loucura (viver dentro de um contexto completamente separado do meio exterior). A partir daí, qualquer atitude, por mais incoerente que ela possa ser, torna-se justificável sob a alegação de que trata-se de uma "legítima defesa do que é divino". E quando a fé sobrepõem-se ao bom senso, os resultados são sempre muito desastrosos. Como fenômeno humano, o fanatismo faz parte da própria história mas causa muita indignação por ainda permanecer extremamente forte nos tempos modernos, período este em que o avanço geral da sociedade deveria dar pleno suporte para eliminar comportamentos tão primitivos. O fundamentalismo Islâmico contemporâneo, por exemplo, constitui apenas a repetição dos atos insanos cometidos pelo Cristianismo durante a Idade Média. A mesma dinâmica permanece acesa nas contínuas escaramuças entre hindús e muçulmanos pela disputa do território da Caxemira na Índia, bem como na sangrenta e intolerante discórdia entre árabes e judeus no Oriente Médio e a variável resultante envolvendo o terrorismo internacional. A única novidade é que agora os acontecimentos dessa natureza possuem uma alcance muito maior, sendo uma ameaça globalizada que atormenta direta ou indiretamente todas as pessoas em qualquer parte do mundo. E por mais que haja motivações políticas, sociais e econômicas envolvidas no radicalismo muçulmano (de fato, tais motivações existem e são legítimas) o ato derradeiro de acabar com a própria vida e com a vida de terceiros em nome de uma crença é fundamentalmente religioso. A promessa de reconhecimento divino e a posterior recompensa influenciam progressivamente o indivíduo ao ponto dele poder estar disposto a cometer o ato decisivo: o suicídio. Pior ainda é quando tal ato envolve a vida de terceiros, sendo ainda mais carregado de fanatismo e tanto mais forte o sentimento de religiosidade presente na atitude assassina. O menosprezo pelos outros pontos de vista é tamanho que o universal direito à vida é quebrado em nome da insana crença de que a convicção religiosa está acima da vida humana. O fato de sermos seres humanos muito antes de participarmos desta ou daquela religião é algo totalmente desconsiderado pelo radical suicida, sendo que isso deveria ser uma lei mundialmente reconhecida e respeitada (sei que estamos muito longe disto). E é claro que tirar a vida de alguém “em nome de Deus” constitui uma desculpa bastante fácil para liberarmos toda a nossa fúria reprimida com base em uma visão de mundo rancorosa, distorcida e desequilibrada.

Mas esse extremismo só existe porque há, de uma certa maneira, uma base dogmática que legitima a proliferação indireta desses atos. O dogma, a fonte que alimenta o fanatismo, é a característica fundamental de todas as religiões que representa em si mesmo o conjunto de leis imutáveis que não permite o questionamento, o aprendizado com o reconhecimento honesto dos erros e acertos e, por último, o tão desejado avanço. Portanto, não se trata aqui de ser contra esta ou aquela crença específica e sim contra o paradigma maior no qual transitam todas as bases religiosas conhecidas (antes que alguém reclame, ressalto que menciono o cristianismo com uma certa frequência por ser uma religião muito presente em nossa sociedade, sendo um exemplo muito mais próximo e mensurável para nós).

O infeliz comentário possui os ingredientes básicos supracitados e é um exemplo do quanto que o fanatismo cega completamente uma pessoa, por mais que ela esteja rodeada por informação e tenha acesso ao conhecimento (já que a criatura que escreveu a pérola estava usando a Internet). Estabelecendo um forte vínculo emocional com os dogmas, o fanático não tem qualquer obrigação de ser coerente, sensato ou racional em suas atitudes, menosprezando, frequentemente com violência, qualquer visão de mundo diferente da sua.

Tenho convicção de que o teor presente no comentário anônimo é um fenômeno cada vez mais presente na sociedade brasileira e suspeito que isso pode se transformar em um problema de proporções gigantescas no futuro (para maiores informações sobre este tema, vide os posts "Evangelização" e "Segunda Idade das Trevas" com os seus devidos comentários). Quando a fé religiosa começa a se tornar mais importante do que a razão e a inibição de atitudes como a do dito comentário torna-se difícil por envolver um "assunto intocável" (lembram-se do dito popular: "política, futebol e religião não se discutem"?) o resultado é sempre a decadência dos valores humanos mais preciosos. Não deixemos que coisas como essa passem em branco...

Abs:
Marcio